quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Versos inacabados para amores eternos

Como seu jeito me hipnotiza
Sua calma me tranquiliza
Seu sorrir me leva a outro plano
Ela vem de um mundo insano

Me conquistou há tempos
Mas logo a perdi
Por outros mofinos adventos
Para minha alma fraca menti

Mas em outros dias senão aqueles de solidão
Ela me buscou, voltei à perfeição
E com este canto inacabado
Pretendo retribuir esse amor tão esperado



A outra é tão descomunal
Tão magistralmente nova, anormal
Sua tristeza se esconde em sua face bela
Em seus versos perfeitos, mente com cautela

Com sua mente de idéias subversivas
Com seu suspiro de inspirações poéticas
Conquistou-me com paixão agressiva
Levou-me distante de mentes sintéticas

Sua perfeição me orgulha,
Seu canto me leva à loucura
Sua imperfeição remota me entristece
Sua falta me enlouquece



As quero para a eternidade
Até nos faltar a idade
Elas em meus versos sempre estarão
Em meu sonhos, minha vida, minha eterna ilusão.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Canto da figueira

As idéias vêm à nossa mente
Exageramos, blefamos, mentimos
Atiçamos nossos sonhos delinquentes
A realidade, inibimos.

A paixão nos leva ao Nirvana
Sua melodia tão fina...
E essa visão tão insana
Tão doce, tão bela: cretina.

Dançamos o canto do Poeta
Gritamos os versos do desespero
E a ilusão novamente desperta
Avistamos você, mensageiro

Nossos olhos vêem além do ordinário
Nossas mãos despertam o desconhecido
Vemos além de ti nesse cenário
Não vivemos em teu mundo falecido!

As mãos são máquinas a devanear
Os versos são farsas que difamamos
Teus olhos enxergam o que se deve negar
A teus sonhos e ameaças, louvamos

E em tua mentira deliramos
És tu mensageiro, soberano
E teu universo podre ignoramos
Toda crença, toda vida, todo ano

Venha mensageiro, dê-nos tua mão suja
Esqueça essa realidade pervertida
Da realidade pútrida, fuja!
E traga sua razão esquecida

Dance o ritmo da loucura
Acredite em nossa ilusão verdadeira
Esqueça de tua vida a amargura
Colha o fruto inexistente da figueira!



Por Carol e Cora.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Fantasias alheias

Imaginem só, julgaram-me livre!
Coitados, não sabem em que mundo vivem

Às vezes fico eu, aqui pensando
Discursando com meus botões, filosofando;
Definimos "livre", conjecturamos.
Mas, diga-me, podemos nós conhecer algo que nunca provamos?

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Pausa fugaz para o estro : O Sonho de la Damme Ilusão. Por Juan Dios


Agora vou lhe contar
Sobre a princesa que ninguém quis ser
Uma alma que pela eternidade irá sofrer
Agora vou lhe mostrar
A crueldade do ser
Uma humanidade a difamar
Matou a mais bela Dama do Saber


Sua História

Sua história se passou
Numa cidade que se acabou
Onde tudo começou
Acima do horizonte, abaixo do luar
Sua história se passa no Rio à Beira-Mar


-Quem é a garota maluca?
-Coitada, a que tem a mãe caduca
E o resto da família adúltera?
Ah, tornou-se prostituta pra pagar a multa
Que a vida lhe fez pagar

Aos dez tentou se matar
Mas até nisso fracassou
Então todas as noites da boa injetou
Vendeu seu corpinho pra mandar a cabeça pro ar

Aos treze de tudo abdicou
Sua alma já não sabia mais amar
Seu pai metia nela, sua mãe usava a panela
Do vigésimo andar tentou pular da janela

Aos quinze perdera sua graça
Seus olhos marcavam desgraça, sua palavra era ameaça
Um dia a amarraram na praça
E a comeram como traça

Sonhava grande a pobre menina
Achava que logo seria esquecida, como tudo na vida
Fugiu de casa, virou foragida
Ia aos bares roubar bebida
Conquistou muitos amores, cheirou muitas "flores"
Esqueceu seus horrores e afogou seus pavores

Mas fugir não levou a nada
Logo, logo foi encontrada, amordaçada
Arrastada pelas ruas envergonhada
Cuspiram, pisaram e gritaram
A prenderam na cruz à martelada
E até a morte foi estuprada

Assim se foi a pobre menina arregaçada:
Sem honra, sem amor, com apenas uma história mal-contada.

Seus devaneios:

Você agora vai ler
A mente perdida da Dama do Saber
São delírios alheios
Um diário de devaneios
Que passam por sua infância
Por sua falta de jactância
Por sua paixão iludida
Por sua vida inibida


O Presente do Pretérito

Mais um dia de glória perdida
De soledade desiludida
De amor esquecido
De máquina vivida
Outro dia em que não sou mais eu
Em que vagueio num amor que se perdeu
Em que sinto falta, sinto medo
De perder o que talvez nunca tive
De esquecer meus sonhos tão cedo


Viração incômoda

Não gosto do calor em meu corpo
Não gosto quando parece morto
Junto com o sorriso maroto

Não gosto de andar por linhas tortas
Não gosto de bater contra portas
De sentir no dia seguinte as esquecidas derrotas

Será que sou eu,
Ou o mundo pretende gostar do desagradável?
Dizendo suportar o insuportável

Oh Mundo, não consigo sentir prazer
Com o que dizem ser a melhor sensação a se ter
Oh Mundo, não minta para mim
E diga que enganou parvos com o ruim

Sair do corpo e não poder voltar
Entrar nele sem se lembrar de como foi voar
Não vejo a beleza em gostar de errar

Ver a demência da sociedade
Enganar a si mesmo com tamanha naturalidade
Sinto que o peso do mundo na minha cabeça se enterra
Meu corpo quer descer ao centro da Terra, mas minha mente quer guerra

Meu coração não precisa cantar essa canção
Minha imaginação vai além dessa ilusão
Prefiro viver somente da paixão
E morrer sem fumaça no pulmão.


Inclinação exclusiva

Quantas palavras ainda irão morrer
Quanto sonhos irei esconder?
Quantos sorrisos tolos estão por vir
Aqueles pelos quais eu me perdi

Tenho como desculpa a tolice da juventude
Ou a ignorância como virtude
Mas é você quem me condena
E não creio que valha a pena

Oh meu amor, que alegria você me traz!
Seu olhar me faz tão mais vivaz
Mas só te amo quando não te vejo
Quando seus lábios não me enojam um beijo

E é tão estranha essa paixão
Não sei se é cego meu coração
Mas ele vê a beleza que meus olhos se recusam a ver
Não sei se é certo ou se não quero te perder

E essa insegurança faz duvidar minha mente
Agora já me sinto diferente
Hoje te desprezei, ontem te amei
Quero te amar mas sei que não o farei


Vício utópico

Por que seus olhos brilham com tanto mistério?
Procurando os meus numa dança curiosa
E me enganam quando os olho
E fogem quando os procuro

Por que vejo tanta beleza em sua face
Mesmo sentindo minha mente negando?
Não quero viver sonhando
Mas fujo quando quero enfrentar, calo quando tenho infinitos versos a pronunciar

Saiba que quero te amar
Que as palavras inexistentes não irão nos afastar
Então venha comigo, dê-me sua mão
Dançaremos pra sempre sem solidão!


Nostálgica memória

Nossos olhos tremem nervosos
Procurando os sorrisos calorosos
Os rostos tão bem conhecidos
Rostos em momento algum esquecidos
Queremos tocar nosso país tropical
Queremos beijar a beleza jovial
Roubada de nossas bocas caladas
Nossos corações cantam versos perdidos
Amargurados sem saber dos velhos amigos
Nossas mentes não cansam de gritar
Nossas bocas desaprenderam a cantar
A nova canção nos faz chorar
Aqui não cantam como lá
Lá não te amo como aqui


O logro

São seus olhos que cegam minha razão
Suas mãos hesitam meu peito
Quando meus lábios faltam respeito
Sinto que perdi cedo meu coração

Quando seus olhos sorriem para os meus
Quando meu sorriso toca o seu
Meu corpo treme e minha alma ri
Minha mente se orgulha de algo que não vivi

Naquele dia morreu minha razão
Se falsas lágrimas fizessem efeito
Continuaria com meu sóbrio defeito
Seria eternamente amante da solidão

Mas noutro dia morrerá minha ilusão
O tempo trouxe cedo a decepção
Nossos jovens corações estarão tão distantes
Minha velha mente esquecerá num instante


Canto da dor

Onde está minha inspiração?
Por que as palavras temem tanto a solidão?
Não me olhe com seus olhos penosos
Já não ouço seus versos venenosos

Essa sua rotina me tira a razão
Me devora, me destrói, me cansa a paixão
Essa sua mente me faz sofrer
Me engorda, me deforma, me cansa de viver

Não me julgue com suas lágrimas de dor
Elas não têm mais força para o amor

Vou te deixar criança, seu rosto mostra a verdade
Não quero sentir em seu corpo a realidade
Vou te amar esperança, seus olhos me pedem perdão
Não quero te sentir mas não tenho opção

Eu vou lutar, vou voltar
Ainda tenho a Ilusão para amar
Vou ganhar, vou amar
Ainda tenho forças para lutar

Seu exagero não irá me impedir, vou viver
Meus lábios sorrirão, você verá
Então adeus, criança tristeza
Vou viver minha única certeza: ainda sei amar.

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Cansei de meus olhos mortos
Cobertos por essa tristeza nua
O que me fez para ter sorrisos mórbidos?
Por que essa vasta emoção crua?

São esses dias errôneos de solidão
Esses defeitos que me devoram o coração
Temo seus erros deixar de odiar
Nesses dias que mentem devagar

Cansei de meus devaneios melancólicos
Me irritam meus olhos alcoólicos
Meus versos rimam rimas já escritas
Me enojam minhas unhas ruídas

...


Ódio rebatido

Esse amor inexistente
Faz duvidar sua inerte mente?
Tens razão, meu amor
Esses meus olhos falham ardor
Se escondem no fingimento
Pois seu corpo é fraco, não me contento
Fui tola, confesso
Você hesita, não te impeço
Tão pobre meu amor, tão cego
Sua tristeza não me afeta, não nego
Sua incerteza me diverte, admito
Mas sua inércia me causa dor
Você é pouco, pouco não merece meu amor.


Pequenos hinos

Amor? Nunca soube como amar
Nem sei se já o sei
Pode ser que seja seu olhar
Pode ser que nunca amei!


Tão longe, tão perto
Os meses passam como dias
Os dias brincam com minha mente
Quando acordo já sou diferente.


Desilusão

Procurei em outras bocas seu sorriso
Em outros cantos sua voz
Me enganei com uma solidão inventada
Enlouqueci quando me vi acostumada
Quando percebi que o que me faltava
Já não era mais seu corpo
Que não foram seus lábios
Quando descobri que você não tem a cura
Para minha ilusão solitária
Obrigada
Pelo amor que nunca senti
Pelo sonho que ainda não tive
Pelo mundo que ainda não vi.


La plus belle des ilusions

Ma pensée chasse mon coeur
Ma rebeldie regrette mon corps
Si je pouvais changer le temps...
Mais ma vie refuse mon sourire, et je n'ai plus envie

La realité me manque, je ne peux plus mentir
Donne-moi ta joie, tes amours, ta vie
Raconte-moi comment c'est aimer
Car cela, je n'ai jamais gôuté.

Ma soletude fait tomber des fausses larmes
Mes yeux te suplient liberté
Je ne suis plus que de rêves
Je n'en veux plus de leur realité

Les étoiles me disent "au revoir", quand je marche sur les grèves
Les arbres me couchent le soir, quand mon corps n'a plus d'espoir
Les oiseaux chantent mes pas
Mon corps est loin, il ne reviendras pas.


Morbidez poética

Dei valor à degradação
Deixei a morte levar cedo minha afeição
Se apenas eu soubesse o peso de meus pecados
Se conhecesse o frio torturante da culpa
Ah! Malditos sonhos renegados
Matam meu corpo que já não luta
Enlouquecem minha mente perdida
Controlam minhas mãos lânguidas
Rogo, imploro, derramo lágrimas de vergonha
Mas não posso me mover,
Meus olhos não encaram essa face medonha
Ah! Lave minhas mãos sujas de traição
Salve-me da condenação!
Não deixe a morte provar piedade,
Não sou digna de humanidade!

Adeus!
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Agora já você já sabe a triste história
Da Dama sem Glória
A verdade desgraçada
D'alma abandonada
Conte à quem ver
O mundo deve saber
A humanidade não valhe a pena
É uma pena.




Fim

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

CAPÍTULO 3

A brisa doce carregava o odor nocivo da peste, derrubando com calma as folhas de outono.

Desolada, Sophie não temia mais a morte. Pelo contrário, a buscava em cada canto daquela cidade infestada. O cheiro repugnante de urina e carniça estava impregnado nas ruas mórbidas de Paris. Andar por elas era um risco dos miseráveis apenas, que não possuiam outra escolha senão passar ali o resto de seus dias penosos, esperando com esperança a visita da Morte. Sophie não era miserável, porém, se identificava com a desgraça dos que o eram. Assim, decidiu passar o restante de sua curta vida por entre eles, sendo essa sua tentativa de suicídio indecoroso.

Além dos indigentes, passeavam pelas ruas fétidas de Paris os chamados libertinos. Sem terem o que perder, esses bon-vivants arriscavam suas improfícuas vidas pagando barato por indecentes noites com meretrizes, ou festejando a desgraça pelos becos da cidade. Muitos deles eram poetas, poucos possuiam o dom; mas todos recitavam. Quando alcançavam o auge da embriaguez, saíam dos bares aos bandos, montavam com caixotes um palco improvisado e desatavam a gritar rimas.

Eram, naturalmente, detestados pela nata burguesa da sociedade. Aos olhos dos aristocratas, chegavam quase ao nível dos ratos pretos que espalhavam a peste, e que portanto, deveriam ser eliminados sem compaixão. De fato, no princípio, os soldados se divertiam fuzilando o maior número possível de ratos poetas. Mas, aos poucos, preferiram contrariar as ordens do rei, temendo mais a morte do que sua ira, e abandonaram o serviço.
Sabiam que aqueles hereges morreriam logo pela ordem de Deus, afinal, ninguém sobrevivia à peste.

Ninguém, fora nosso ilustre poeta Juan Dios.

Não porque era um homem forte, muito pelo contrário, Juan era miúdo e descarnado. Logo quando nasceu, fora abandonado pela pai desesperado, que o deixara numa ruela qualquer, acreditando que Deus lhe daria um destino melhor do que aquele que ele lhe havia reservado.

Fora resgatado logo em seguida por uma menina que, impressionada pela beleza e perfeição de seu choro, o levara para casa. A rapariga contara à mãe sobre o canto do bebê, que se assemelhava ao mais belo dos poemas. A mãe, apesar de impressionada pela história da filha, não poderia sustentar outra criança, pois já havia parido quinze e adotado outras cinco.

Ela o deixara então para os cuidados do padre, que o aceitara com a benevolência típica de um homem do seu cargo. Porém, sua generosidade fora breve: após apenas 2 anos passados ele renunciara o menino. A razão? Seu inexplicável talento em tudo o que fazia. Mesmo seu choro era talentoso! Aprendera a falar em seu primeiro ano de vida, e em seu segundo, já era capaz de conversar. Ainda mais surpreendente era a sua fala em questão. Ela era dotada de uma poesia extraordinária. No princípio, Juan falava em rimas, despertando a curiosidade do padre. Mas essa curiosidade se transformou logo em terror: ora, o garoto era ou divino ou satânico. E o padre admitiu a segunda suposição, para infortúnio de Juan, que fora deixado à mercê da desgraça das ruas.

Nelas, vagabundeou por um tempo, até ser encontrado por Manoel, o dono de um bar da cidade. Surpreso pela capacidade de comunicação que o rapaz possuia, Manoel decidiu levá-lo a um lugar mais adequado, onde ele poderia ter um futuro promissor: o orfanato. Manoel acreditava que lá Juan faria amigos, seria tratado como um pequeno príncipe, trabalharia seu dom. Infelizmente, ele estava enganado.

O período que Juan passou no orfanato fora o pior de sua longa vida. Obviamente que, em uma casa com quatro quartos para mais de 100 crianças, Juan não poderia ser propriamente tratado com carinho e atenção. Na verdade, fora tratado de maneira oposta. Era espancado ao nascer do Sol, então obrigado a cozinhar e estritamente proibido de pronunciar uma palavra sequer. Suas folhas foram roubadas, assim como suas penas, para que não pudesse exercer o dom da poesia. Quando alcançou os 12 anos, num acesso de raiva insana, assassinou a sangue-frio uma das monitoras e fugiu para longe dali. Seu retorno seria para vingança apenas.

Os anos que se seguiram foram passados nas ruas da cidade. Juan passara três anos caminhando em paralelepípedos sujos, bebendo da água pútrida do rio, comendo ratos imundos, tornando-se imune a qualquer doença que Paris pudesse oferecer. Quando estava à beira da morte por desnutrição, um jovem chamado Miguel foi lhe salvar. Miguel era um libertino, desafiador da morte e amante do perigo. Ao ver Juan, magro, fétido e sem esperanças, decidiu aprensentá-lo ao paraíso meio ao inferno. Decidiu integrá-lo ao bando dos bon-vivants. Decidiu fazer de Juan, um artista. E então, Juan se juntou ao bando de Miguel, encerrando a vida inconstante que costumava levar.


E assim se passaram os anos. Sua infância se restringira à mudanças contínuas, sem nunca passar em uma casa tempo suficiente para chamá-la de lar. Juan nunca provara do doce amor materno, nunca tivera uma família. Sua mente se preenchera de ódio e descrença, até chegar no estágio absoluto da indiferença. Recitava poemas vazios em caixas vazias nas ruas vazias. Aos 15 anos, Juan possuia a desilusão de um homem moribundo.

E fora essa a única razão para sua sobrevivência na infestada Paris: sua deplorável existência indiferente.

domingo, 4 de janeiro de 2009

o Luxo dos poetas. CAPÍTULO 2

Mentiras. Juan sabia que eram palavras falsas aquelas pronunciadas pelo guarda. Sabia tão bem, que não se preocupou. Nem por um momento pensou no que o homem havia dito.

Talvez tenha sido esse seu maior erro.

Sem ter o que fazer, sentiu seu estômago latejar. Havia passado dias sem comer, se contentando apenas com suas rimas. "Não me alimento de letras". Ela havia razão, sempre houvera. Sophie era sábia, os anos lhe ensinaram truques, a idade colecionara segredos. Era forte também, perdera sua família, todos condenados pela peste negra. Perdera seu lar, seu orgulho, sua razão para continuar. Ela já não era jovem, verdade, mas sua alma e corpo foram preservados. Suas curvas negavam seus 30 anos passados, seu sorriso denunciava a criança que permanecera. Rejuvenescera assim que encontrara o verdadeiro amor. Juan era ainda uma criança, ela sabia disso, mas não existem olhos no coração.

Se conheceram em tempos inoportunos, a Europa sofria a maior onda de mortandade que jamais varrera o mundo. Os homens se evitavam, parentes se distanciavam, irmão era esquecido por irmão, muitas vezes o marido pela mulher; e o que é pior e difícil de acreditar, pais e mães abandonavam os filhos à sua sorte, sem nunca mais os verem, como se fossem estranhos.

Em tempos como esse, o amor era esquecido, se tornando uma palavra estranha, um sonho distante, uma ilusão absurda. Um luxo dos poetas.


Voltemos, portanto, ao princípio de nossa história, ao ano em que o amor foi redescoberto. Voltemos à 1346, dia 14 de outubro.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Ameaças lancinantes. CAPÍTULO 1

O ano era 1351.

Quando acordou já era dia, embora as nuvens ocultassem o sol de inverno. Juan virou-se, de forma que pudesse admirar o rosto de sua amante. Como ela era bela! Seus cabelos negros cobriam-lhe a boca carnuda e vermelha, suas pálpebras ocultavam seus olhos verdes, tudo naquele rosto parecia ter sido magistralmente posicionado. Suas rugas desapareciam frente à calma de seus sonhos.

Juan tocou-lhe o rosto. Era liso como a mais pura seda. Beijou-lhe a face antes de sair da cama. Caminhou por seu humilde casebre, procurando em vão por um velho pão para comer. Passava por tempos difíceis, mas em tempos como aquele, tinha sorte de estar vivo.

Sem ter com o que enganar o estômago, desatou a escrever. Gostava daquilo, queria viver de sua pena somente, mas bem sabia que não existia espaço no mercado para um poeta miserável. Se contentava em declarar seus versos nas praças, ao menos ganhava uns poucos e podres tomates.

"Meus sonhos movem meus dedos
Quem há de impedir meus medos
Quem há de julgar meus versos pobres
Quando meus olhos os vêem nobres?"

Era sua desculpa a inspiração. Sonhava grande o pobre menino, acreditava no poder de suas palavras, cria que ainda havia de ser afamado pelo rei.
Escrevia sem cessar quando ouviu os passos de sua amante.
"O que faz? Onde está o pão?" indagou Sophie.
"Não pude controlar, minha amada, minhas mãos foram mais ligeiras que minha mente! Lá estava eu, à procura dum pão, quando senti meu coração vibrar. São os versos, Sophie. Quem se importa com a comida quando ainda temos as palavras?"
"Não me alimento de letras, pequeno." Ela beijou o rosto malogrado de Juan, e saiu às ruas.

Maldito momento em que Juan não pode segurá-la. Tentou tocar seus braços mas já era tarde, ela se fora. Mal sabia nosso caro Juan que seria para nunca mais voltar.

Juan esperou. O tempo passava incerto, o ponteiro custava a se mover, nosso herói teimava em escrever. Depois do que pareceram segundos, uma batida forte na porta o tirou de seu devaneio. Haviam guardas plantados em sua porta.
Sem hesitar, ele abriu o que se assemelhava a um pedaço de madeira pútrida, usada como porta.
"Juan Dios?" A voz do guarda lembrava um rato com cólicas.
"Depende. Se o senhor estiver se referindo ao safado que roubou o pão de padeiro, lamento lhe informar que bateu na porta errada." Um sorriso cobriu seu rosto. Nunca soubera mentir.
"Criança tola, deveria ser preso por tua jactância!" Exaltado, o guarda parou para recuperar o fôlego. "Mas, felizmente, tenho punição melhor."
Houve um breve momento de silêncio, antes de Juan decidir que o homem estava apenas o assustando com falsas ameaças.
"Tua presença já basta como punição, assim como teu hálito putrefacto. Agora saia de minha casa, homem torpe, pois tuas blafémias não me afetam. Palavra alguma é capaz de me acusar, sou um jovem cândido, nunca desacatei o Rei."
O guarda desatou a rir. Suas gargalhadas penetraram na mente de Juan.
"Só lhe digo uma coisa, pequeno verme, podes não temer minhas palavras, mas deves acreditar no que teus olhos imundos vêem. Com uma ordem do Rei perderás a vida de tua amada. Uma ordem, e a justiça será finalmente feita!"
"O que queres dizer, não entendo. Desculpe-me, mas não falo a língua dos porcos. Saia de minha casa! Guarde tua língua venenosa para outros tolos." A voz do menino perdera o tom de escárnio.
Juan tentou empurrá-lo, mas o homem tinha três vezes sua altura e largura. Persistente, ele o pôs para fora, mas não fora o suficiente para fazê-lo calar. Já na rua, o guarda gritava com ódio venenoso.
"Ouça bem, jovem miserável, Deus castiga a mulher que abraça o pecado. Aquela anciã terá o castigo que merece! Provaste do veneno funesto da velha, não é mesmo? Tocaste seu corpo culposo? Foste enganado pela serpente, meu caro! Terás teu castigo nas chamas do INFERNO!"
"Saia! SAIA!" Seu rosto denunciava desgosto, não aguentava mais mentiras.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Prólogo

Comecemos pelo protagonista, trataremos do espaço e do tempo posteriormente.
Juan Dios era um sujeito peculiar, como afirmavam as numerosas bocas intriguistas do vilarejo onde morava. "Dizem por essas bandas que mora naquela casa a encarnação de toda miséria e desgraça existente nas almas pecadoras. Toda a misantropia do mundo nas costas de um único homem, a quem chamamos de Dom Juan. O diabo encarnado num corpo abençoado, possui os olhos mais doces que o puro mel, a voz tão melíflua que penetra como uma canção em nossos ouvidos. Mas creio que aquele pobre homem deixou sua alma vazar por suas lágrimas. Daria o mundo para saber por quem aquela criatura tanto derrama tristeza. Por Deus, daria o universo para ser eu o motivo de sua melancolia. Se apenas todo o ouro que possui pudesse comprar-lhe um sorriso..." é o que contou uma velha senhora, de olhar decrépito e jeito senil. Ela não era a única a palpitar sobre nosso misterioso protagonista. As intrigas eram tantas que ele acabou por tornar-se uma lenda, a qual todos pensavam conhecer perfeitamente.

A verdade é que pessoa alguma naquele vilarejo entendia a dor insuportável de nosso pobre Juan. Infelizmente, apenas dois seres nesse mundo conhecem sua história, e um deles, por motivo que relatarei em tempo, não pode mais cantar. O outro, para regozijo do senhor, leitor, sou eu.


Tomei conhecimento da existência de Juan assim que me tornei gente. Desde pequeno era notado por sua beleza anormal, sabia declarar as mais belas frases nos mais oportunos momentos, proeza que lhe concebeu inúmeras amantes. Seu coração, porém, cumpria nada mais que sua função biológica. Dizia não saber provar o doce vício que chamamos de amor.
Tal repulsa ao afeto nunca me pareceu estranha, afinal, não poderia esperar nada mais de um jovem órfão senão a obscuridade rancorosa e melancólica de seu coração partido.
Pobre desgraçado, perdeu seus pais antes que a memória lhe permitisse gravar seus rostos. Vivenciou o assassinato impiedoso da mãe, cometido por seu própio pai. Dizia-se contente por perdê-la tão jovem, assim não guardou em sua mente tal cena. Seu pai desaparecera, deixando-o à mercê desse mundo cruel.
Vivera por um tempo nas ruas pútridas de Paris, até ser acolhido por uma generosa mas miserável padeira. Sophie era seu nome. Nunca consegui descobrir ao certo se fora ela sua primeira desilusão, primeira de tantas outras...


A vida com Sophie foi seu primeiro passo em direção à solidão, impenetrável e gélida, mas mascarada por um rosto prazenteiro. Era essa uma característica extremamente marcante em nosso caro Juan: a dissimulação.
Podemos definir dois Juan Dios, um que sacrificaria a própia carne por aquele que seu coração julgasse importante; e outro que enganaria virgens inocentes, sentindo o gosto sórdido de ver a solidão corromper suas singelas almas.

Tivera que mudar diversas vezes, nunca permanecera tempo suficiente para formar vínculos, ou quaisquer relacionamentos que lembrassem uma amizade. Aos 17 anos, quando fora obrigado a deixar a casa que tanto amava, aquela de Sophie, engrenou numa aventura solitária, que o levou a diversos suicídios mal-sucedidos e mortes mal-resolvidas.

Abandonou seu lar quando beijou a desilusão. Após 12 anos passados com a padeira, uma única palavra bastou para acabar com a perfeição de sua vida. "Mate-a". A voz que pronunciara a condenação nunca deixou de ecoar na mente de Juan. "Mate-a", disse o capataz. "Matem-na!" gritou o povo torpe.


A injustiça daquela noite mórbida perseguiu os sonhos de Juan, nunca compreendera a razão pela qual tiraram a vida de sua única amada. Fora de uma noite estrelada para uma manhã nublada que seu mundo mudou.
Sua vida era boa, gozava da felicidade extrema que provava a cada dia que passava. Tudo havia tocado a harmonia ideal.
Conquistara Sophie. Ele era novo, verdade, apenas um jovem tolo, diziam as velhas da cidade. Mas quem há de julgar o amor mais puro e sincero entre amantes? Quem há de dizer a idade do amor? Ama-se quando criança, ama-se quando jovem, ama-se quando senil, ama-se pela eternidade!
Por que ordem se deve proibir tal amor? Um jovem nunca é novo demais para amar, aliás, é o único que sabe fazê-lo.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Intro.

O senhor, caro leitor, já ouviu inúmeras histórias, tenho certeza. Histórias mirabolantes, histórias sinceras, histórias ambíguas, enfim, histórias. Porém, lhe garanto que esta que estás prestes a saborear não é uma história comum. Engana-se aquele duvida do poder da língua encantada de uma criança. Portanto, meu caro, prepare sua mente, pois o que virás a descobrir, terás que compartilhar com apenas teus botões. Manterás estes relatos para si, trancarás tua boca a sete chaves. Aquele que, por infortúnio ou falta de esperteza, não puder guardar segredos, fechará os olhos neste exato momento e esquecerá o que acaba de ver.

Confio em ti, leitor, e em tua força. Ela será vital para tua existência carnal, se pretendes persistir no erro de ler.

Descubra-me.

Minha foto
Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões