quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um velho chamado Paixão

Rugiam os passos do velho manco
Suas pernas tortas tateando na solidão
Seus olhos mortos molhados por encanto
E sua alma crua exalando podridão

Sedento de risos e roçadas
Em busca do álcool e da velha fumaça
Perambulava vadio por lembranças inventadas,
O velho que chamara a morte por pirraça

Era caolho e perdera os dentes
Antigo pirata de amor roubado
Afogou-se em prata e sonhos reluzentes
Querendo falecer de falsos pecados

Com o tempo engasgado em sua alma,
Embriagado pelo ciclo da eternidade
O marujo carcomia com calma
Os sonhos da irreverente mocidade

E o velho hoje preso ao chão de paz
Carrega em suas trêmulas mãos lânguidas
Os ossos do amor que jaz
Cantando com atraso a verdade cândida

"Se assim vivendo
Tanto anseio morrer
Imagine morrendo
O quanto irei viver!"

E agora
Correm os pés do velho manco
E sem hora
Suas pernas tortas abandonam o destino
E agora
Seus olhos vivos encontram o encanto
E sem demora
Ele parte com tiro repentino
E chora
Partindo sem melódica memória
E implora
Para lembrar do sonho seu
Mas sem glória
Parte o velho e sua história
Sem lembrar-se que morreu

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Je porte le monde dans mon ventre

De tanto beber os outros
Acabei por embriagar-me
Tornando-me todos
Dans un corps de larmes

Virei suas angústias
Provei seus amores
Vomitei suas injúrias
Engoli seus impudores

Tenho o mundo em mim
Os homens e os sonhos
C'est vous que je suis,
E suas almas que componho

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Engulo o que vomito

Extirparam de meu sangue os verbos
Minhas palavras, tão suas
Escorrem tão impuras, não mais nuas
Demonizadas por insultos cegos

As labaredas da poesia esfriam
Acompanhando seus passos tão humanos,
Puros, malditos; e me evitam
Abandonando a brasa cálida de meu canto cigano

Isenta da culpa por injusta insensatez
Sua indiferença invocou minha ranzina razão
Por incontroversa paixão e incontida estupidez
Sufocou minha mente e perdeu a honra do perdão

E meu corpo que outrora fervera por suas sóbrias promessas
Agora falece na falta de seus olhos cândidos
De seu toque morno em meu sono desperto,
Seus lábios moles em minha força lânguida,
Seu riso impuro em meu peito aberto,
Seu canto a desvirtuar-me sem pudor
Com a inocência do imprudente, incerto
e prometido amor

E você, que estacou meu temido tempo!
Sem som largou-me nessa lógica solidão, tão manjada
E eu que me via acostumada,
Sem saber que não se almeja a sinceridade da ilusão

E você, que libertou meu tormento virulento!
Há tanto prisioneiro da perfeição
Fez de meu corpo um poço de consentimento
E obrigou-me a contentar-me com insuportável suposição

Pois faça de mim aquela que deseja
Agora que já não pertenço a sua perdição
Serei ela: seu corpo, seu sorriso, sua certeza
Pois de mim só resta a carcaça oca da desilusão

Pois sou sua, não mais que minha
E a intensidade que te pertenço
Equivale ao exagero da poesia
E à dor que dispenso

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A trabalhar

Eu vou pra festa do Chacal
Fazer da vida um bacanal,
Uma orgia de paixões sem fim
Enlouquecer o anjo Querubim
Vou viver assim, sem caminho
Seguindo o destino pelo qual definho
Por prazer, revolta e vício
Vivo e morro,
Voltando sempre ao início

sábado, 3 de outubro de 2009

Um bosque chamado desamparo

Como puderam teus olhos de vidro
Ao me amarem, despencarem em solidão?
Seus cacos rasgando-me em castigo,
Um deles perfurou meu coração

Desses cacos fez-se esta rua
Ladrilhada com diamantes de sangue
Donde agora padece minha alma crua
Enterrada ao fim, num bosque sem nome

E o anjo que por tempos me amara
Que nu de mim, fizera-me me entregar
Agora estende os braços com tara
E sem olhos rouba-me o olhar

Cega, cedo à loucura
Ao vício e aos sonhos risonhos
Morta, mato a ternura
E vivo de esperanças que indisponho

Mas desses cantos bisonhos
Nenhum fez-me enxergar
Pois continuo amando o anjo
Que por medo não soube me amar

Descubra-me.

Minha foto
Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões