domingo, 24 de outubro de 2010

Sonhos

Andava Anita de corpo curvado
No peito as mazelas do sonho furtado...
Como queria eu sua dor furtar
E virar filho de rei  para em seu olhar reinar

Aqueles olhos de calma castanha
De serenidade subversiva, de terra abatida
De brasa contida, de cândida manha
De paixão ressentida em minha cama

O nariz de feitio divino
Aspirava meu coração desmazelado
Guardava em seus pêlos meninos
Meu suor de amante agoniado

Sobre seus lábios não me atrevo discursar
As rimas seriam ofensas, os versos chagas
Pois nunca a carne fora o próprio amar
A não ser naquela rubra fenda de mágoas

Em seu pescoço o odor da solidão
Em seus seios o berço de meus beijos
Em seu ventre minha lânguida ilusão
Em suas pernas meus roxos anseios

E em seu espancado coração
O vazio transbordando minha ausência
O vicioso afago de meus perdões
E de minha louvável clemência

Pois vivia Anita de suplícios
De pecados urrados em silêncio
De orgias, banquetes e vícios
Toda a luxúria em sonhos imensos

E eu a flagrava à noite a dormir
Com o perfume úmido do desejo
Seu corpo em espasmos a sorrir
Seus olhos brilhando em lampejos

E eu morria a cada luar desgraçado
Assistia à fuga do Sol em depressão
Rezava em canto desatinado
Para que corresse o dia sem escuridão

Até que conformado com minha mortalidade
Cedi a meus anseios humanos
Esqueci-me de nossa santíssima divindade
E entreguei-me aos torpes e profanos

Não fossem os venenos da fraqueza
Da cachaça singela, da injeção e da erva
Ainda seria eu membro notório da nobreza
Eu, filho de rei e amante da donzela
Hoje a sete palmos do chão,
Mas para sempre viva em meu coração

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Convite de Tristão

Pois veja só o quanto, por me amar
Fizera de minha mente a fonte do ódio perverso
Fizera de meus olhos cascatas de amor confesso
As palavras, assim singelas e educadas,
Estriparam meu corpo quente
Levaram à garganta as ilusões amadas
E assassinaram meus sonhos complacentes
Emudeceram meu rir,
Com a bravura do impossível
Levaram-me a injustamente sentir
O que cria ser impossível
Acenderam em meu peito a brasa esperançosa,
Verteram em meus lábios a peçonha da paixão
E convenceram minha alma medrosa
A morrer pela própria mão
Pois morrer…por lúgubre que seja
É a única medida terna
De garantir a ilustre certeza
De que nossas vidas serão eternas

sábado, 9 de outubro de 2010

Se mentir fosse o pior castigo

Agora, quando fugida e sem demora,
Esquecida e com triste glória
Agora sem seus passos no enlaço dos meus
Com seus sorrisos em fotos esquecidos
Com meu corpo longe do seu toque
Agora, quando enfim creio no fim da memória
Quando pura me limpo de nossa história
Guardada apenas em sonhos meus
Agora, com o ventre vazio do peso seu
Percebo que não, meu amor não se perdeu
Me cativou, me enganou e afugentou-se
Mas voltou para me castrar
Agora, com suas mãos em meu olhar
Desenhando o que hei de lembrar
Vejo que mesmo de corpo flácido e oco
Seu sangue ainda corre em minhas veias
Me acorrentam à sua ilusão
Fazendo com que eu novamente creia
Que nosso amor não foi nunca verdade
Mas será sempre minha liberdade
Pois nenhum outro hei de ter
De tanto ser sua 
Sou livre de meu próprio ser

Defunto itinerante

Foi justamente naquele instante que percebi
Assim que, de tanta tristeza, dei pra sorrir
Foi naquele momento tão breve, e ainda constante
Quando as paixões outras, outrora minhas, decidiram partir
Quando meus motivos, singelos e fingidos, cansaram de existir
Quando percebi que viviam todos, menos eu
Que viviam todos, enfim;
Naquele instante, sem pompa ou fausto
Passei também a viver sem mim


Sweet Wings

Drop your tears, love

In the remaining pieces of our ilusion

For I've found the freedom's dope

And your joy became misused

I ain't the reason's alibi

Nor gonna let the youth go by

For I've found my chains to be your eyes

And I ain't the prisioner of love's lies

I'm naked in joy's histeria

Free in lonely skies

Deep down in rainbow's euphoria

I found my wings to fly

And I'll go far to oblivion's sea

For past is no longer me

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

De todos os palcos que subi, de todas peças que vivi e a vida que encenei


Eu nunca  disse não.
Talvez, algumas poucas vezes, tenha me enganado
Ou tenham enganado a mim
De tudo que neguei agora me falta
E essa falta corrói meu peito e carne
Sedenta me arrependo, faminta me ajoelho
Aceitem agora minha solidão
Que seja escarrada de meu decrépito corpo
Que cheio de tudo esvaziou-se de emoção
E tendo tudo o que agora me falta foi o que não quis
O que superior a tudo me desfiz
E que hoje talha meu sorriso desmazelado
Pois não tenho mais seus poemas,
Nem seus
Ou dele
Não tenho mais seus olhares
Nem as rosas dele
Nem os versos de outro
Pois de coração atado nada me sobrou
E comigo mesma já não suporto viver
Meu reflexo já não compreendo
Passo dias mirando-o, morta
Ou morto ele
Mas não vejo nada além de pele flácida, olhos ocos
É um vazio desalmado, um livro usado
Um conto esquecido, jogado, ignorado
De contento batido
De linhas retas, maçantes, ululantes
Algo a não ser lido
As páginas em branco restaram,  não há quem preencher
O começo fora interessante, o resto pedante
O final não vale saber

Liberdade é o prato cheio na barriga do faminto

De dia o sol entrando no corpo em chamas, vermelhas lágrimas
Queimando o rosto que um dia fora todo
E hoje mal é nada
E os restos dos resquícios dos sorrisos que ninguém vê
Se perderam no mar que forçou a esquecer

Mergulhada na ebulição das noite nuas, dos meteoros e das falsas luas
Subiu na estrela que ninguém mais viu
E foi longe ao imprevisto, ao impossível ao irreprimível ser
Tornou-se a explosão dos astros, dos abraços esquecidos e dos amores fingidos
Tornou-se  pura e finalmente sua


Sumiu sem nada ver
Sem ter visto
Sem ser vista
Ninguém viu
Ela ser

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Carrego em minhas entranhas gastadas a vida
Vomito com minhas palavras a vida
Em minhas poucas virtudes forço a vida
Mas sou sono
E em meus sonhos não existo
E se existisse a morte
Morta seria.

Poucas e definitivas

Como se do corpo se fizesse a alma
Da guerra surgisse a solução,
De meu coração não se faz a paciência
Para se brincar de devoção

Não nego a perfeição dos versos cantados
A celebração de uma união
Mas quanto a buscar o amor
Prefiro me guardar pra solidão



terça-feira, 28 de setembro de 2010

Renego o amor

São nessas horas de solidão forçada
E de desilusão contente
Que enxergo em mim uma alma aguada
Escorrendo pelo vício imprudente
Vício este pela já manjada tristeza
Pelo salgado das lágrimas de estimação
Pela busca da certeza
De que o buraco de meu coração
É preenchido pelo torpe tumor da crueza

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ócio aflito

Morrem na garganta as palavras profícuas
As únicas que para algo serviriam
Em seu lugar, o golfo de rimas oblíquas
Quem diria que estas não me alimentariam?
Agora ando faminta, minha mente ossuda em contrição
Vertendo o veneno da ilusão
Dissolvendo-me as idéias e emudecendo meus sentidos
Quem diria que não são sinceros meus sorrisos?
Estes, espelhos da imensidão oca de meu eu pensante
Consomem meu saber
Pois esquecendo-me do intelecto sufocante
Posso com a ignorância aprender a viver

Les plaintes du condamnè

Como queriam os erros meus
Sedar minha mente aflita
Embriagar os remorsos ateus
E emudecer minhas conquistas
Como queriam meus sonhos despertos
Desbravar minha realidade adormecida
Fazer desses urros incertos
A música da razão iludida
E frente à face do inimigo destemido
Queria meu corpo ceder à terra do passado
Enterrar-se num suspiro sucumbido
E retornar ao repouso furtado
E agora que de desilusões e misérias
Minha carne se alimenta
Como quer meu eu se esquecer!
Se perder
Se render à solidão mórbida dos suicidas,
Pois já não sou carne,
Sou lágrimas arrependidas

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Bolero da vida sem glória

De cordas e tons fez-se um homem
Peito de pau e corpo oco
O coração acústico, sem dono, sem nome
As marcas talhadas de samba e sufoco
A boca desafinada de canto sem som
As palavras já gastas de memória sem dom
Nas costas as farpas de vida mal-vivida
E nos pés os espinhos de veredas vencidas
E nos olhos...nos olhos o fúnebre vazio
Da solidão preenchida no caminho

De um homem fez-se uma história
Fraca moral da vida sem glória

De um poema fez-se a esperança
De nesta mentira haver semelhança
Com o que sou e o que calo
Com as rimas que não falo
Com estas linhas de formosa ilusão
Com este homem que não tinha coração


domingo, 22 de agosto de 2010

Escala de dó

em meus lábios dormiu a noite


e assim que o Sol, tímido e desmazelado,


inflamando as estrelas sem cuidado,


furtou a vida da Lua minguada


meu céu livrou-se dos perdidos sonhos


em antropofágica selvageria


os raios fizeram de meu paraíso


cinzas de exorbitante alegria


o que antes fora meu reinado da perfeição


tornou-se a verdade, minha aflição


que tortos caminhos me trouxeram!


minha eternidade fora pulverizada


sem mínimo esmero!




maldita seja a luz desalmada


por forçar meus olhos à realidade


fazer de minha ilusão circuncidada


apenas vaga lembrança


do que em meu coração era liberdade 

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Se de matéria fosse tecida minha consciência, nada seria de minha alma senão inútil excelência

Se de súbito meus sonhos partissem
Minhas mãos se cansassem
Minha mente cessasse
E meus olhos dormissem
Transitaria minha alma pelo almejado fim?

Se assistisse minhas mãos desfazendo-se em pó,
Meu corpo libertando-se de mim,
Eu não mais em minha companhia só,
Não seriam meus extintos sorrisos sinceros enfim?

Se são meus arrependimentos e pecados
A razão para as incontáveis e infinitas noites sem lua,
Se é a mortalidade atada à convenção
A causa de minha lamúria,

Que venha o fim acalentar meus medos
Sussurrar em minha consciência as promessas do limbo
Contar em meu colo a história dos desejos
Que em terra são a cova da paz
E no esquecimento a liberdade que almejo...

Tudo de profano com minha carne secaria,
A vontade encarniçada, o pavor da idade
A paixão visceral, o remorso letal...
A vida na morte encontraria

Toda a humanidade em sua desmedida humanidade
Roendo a alma até o osso da contrição
Deveria na crua indiferença ser enterrada
Para perecer em infindável quietação
No limbo de memórias apagadas
No paraíso da despretensão




Quem me dera desgarrar-me das obrigações
Partir-me oca, livre dessas vontades
Para no ermo preencher-me de saudades
Saudades das assassinadas paixões

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dia de Dora

Desperta, vira a hora
Roda na cama e força a fantasia
Ama, morre e chora
Acorda com bizarra azia

Cai, levanta e demora
Machuca os ossos e lava a alma
Se olha, desgosta e melhora
Adoça o café e bebe sem calma

Se molha, acorda o corpo
Seca o sujo da memória
Se veste, estranha e olha torto
Abre a porta e sai como escória

Anda, espera sem pressa
Entra com gente e senta sozinha
Desce, olha e atravessa
Finge breve ser rainha

Senta, come e não sente
Olha com amor e fala inibida
Volta, trabalha e mente
Levanta, parte sem vida

Anda, sobe com lágrimas
Gira a chave e entra morta
Deita, se cobre com lástimas
Divaga, adormece torta

Não desperta, não há hora
Imóvel na cama em fantasia
Não ama, morre e não chora
Parte com fúnebre alegria



Acorda, ri da hora
Salta da cama com euforia
Pensa, lembra de Dora
Lê sua morte no jornal do dia

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ode ao espaço geográfico

São as mais belas mãos, desfalecidas e esquecidas
Fim irrevogável de um corpo que não havia de ter fim,

Ah, se fossem as mais justas vontades atendidas
Não estariam descoradas ou distantes de mim!

Mãos celestiais, cândidas e imorais
Em toda sua ingenuidade e complacência
Amando com o roçar suave de carne na carne
Servindo como o mais gélido gelo no coração que arde
E a mais rubra brasa no amor sem imprudência

Ah, por que sórdidos motivos as furtaram de mim?!
Desentrelaçadas nossas mãos,
Os corpos que as seguem movem-se em vão
Vagueiam na saudade e, oh! esquecem-se com a idade
Da solene promessa do amor sem fim

Benditos sejam os sonhos
Por permitirem o encontro das mãos amantes
Para acordarem seus lábios risonhos
Ainda que permaneçam seus corpos distantes

Benditos sejam os sonhos
Pois neles não há distância ou mar
Benditos sejam seus olhos castanhos
Por eles esqueço-me de acordar

Com sua mão em meu leito, o amor está feito
E há de voltar

domingo, 27 de junho de 2010

Estado de graça

Edito minhas mentiras
nunca fui poeta
todas minhas poesias
foram ilusões indigestas

Entrego minha tinta e minha verdade
meu passado e meu remorso
minha forjada liberdade
e tudo o que posso

Visto o vazio, agradável sensação de não existir
Assisto meu parto
Agora que parto
Para nunca mais ir

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Minhas veias embriagadas discursam melhor do que as palavras

Quando em sonhos almejo teu amor
Ainda que sabendo que nada guardas além de rancor
Imagino nossos corações se entregando
Não apenas em corpos mas em prantos

Vejo que meus suplícios não sabes perdoar
Ainda que queira eu a ti tudo entregar
Foges de mim como se fosses te devorar
E ris de minhas palavras a divagar

Ainda que sejam minhas palavras embriagadas
Deverias tu considerar minha cilada
Pois veja só, não te amo
Mas quero de ti tudo que não queres entregar
E entendo enfim a palavra amar
É querer
E cobiçar
Sem saber
Que te amar
É apenas não te ter
Para ti viver
Sem saber
Que querer é não poder

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Que rasguem minha carne, minha vida não será em vão

Estranho silêncio o dessas almas rompidas
Clamando em sonhos o que calam em vida
Funesto viver sem palavras para dar...
Injusta penitência a de oferecer para cobrar

Miserável destino o dessas almas sem Poder
Pois sem Poder não passam de sentidos calados do saber
Pobres diabos, desamparados e injustiçados
Que desventura lhes dar o sorrir sem ensiná-los a sentir!

Pois então urrem os mudos suas lástimas e lamúrias,
Enxerguem os cegos o que nosso olhar já esqueceu
Cantem os poetas a melancolia da rotina,
Morram os já falecidos de injustiça doentia
E renasçam os heróis dos sonhos meus

Quanto a mim, deixo lábios e corpo calados
Pois não hei de conformar-me com os atos
Dos torpes e injustos e ingratos...
Proclamarei a liberdade da igualdade,
Calarei-me com os mudos
Com os cegos não verei
Juntarei-me aos surdos
E da vida me despirei

Que é na simplicidade que a alma se eleva
E na cobiça que o sorrir se enterra
Serei a vida nua de vida
Serei o silêncio da revolução inibida
Serei o que foi e não mais será
Serei a razão de amar
Serei a razão
Serei o não
Serei, não
Não serei
E assim será

terça-feira, 8 de junho de 2010

Quando os amantes se entregam à insanidade do óbvio e se esquecem da realidade do amor

Dos pregos em minhas mãos encravados, restaram rubras chagas
Supuram meus pés com os vestígios de injusta penitência
Nos ossos as cicatrizes da cruz de espinho em que me meteram
De meus olhos deita o sangue do tormento
Que incineraram-me em público linchamento
Que nada em mim viram além de carcaça oca sem moral ou coração
Que ainda que aqui em meu peito não caiba nada além de paixão
Que mesmo predestinada seja minha alma a explodir de sentimento
De vida pulsante só encontraram atrevimento
Nos meus bramidos só ouviram o que perderam
Sussurrando em seus olhos chorei pela ausência
Dos seus olhos cegos ao amor, aquele que dei-lhe quando me crucificavas

Que preferiu seu coração acreditar
Que quando a todos me entreguei
Não quis eu te amar
E olhe agora o que me tornei
Seu animal que desacato
Seu passado perdido
Seu erro de estúpido coração pacato
Meu coração rendido,
Para sempre dilacerado
Para sempre, olvido

E olhe agora o que me tornei:
A mais oca ilusão
E olhe agora o que tornei:
A peçonha da solidão

Agradeço-lhe por ter sido meu rei
Sem fazer de mim rainha
Não mais me darei
Agora sou mais que minha
Sou todos os gritos do mundo
Guardados em mim sozinha

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Arranca da cama os lençóis que sem Sol não sei dormir

Nestes benditos dias de desdita morte
Quando o tempo corrido se cansa da pressa
Quando conta o Sol, em elucidação improvisada
A razão desse forjado sofrer

Penso eu que nas terríveis horas de solitária escuridão
Minhas lágrimas de dor não passam de ingênuo terror
Terror não da ilusão,
Essa apenas afago da decepção,

Terror dos quiméricos, dos homéricos Sonhos
Da fantasia de fanáticas noites do passado
Aquelas, as conturbadas e desgraçadas
As vertiginosas e lascivas, as reais e as fingidas

Penso eu que não sabia antes sonhar,
Sabia saber...
E agora, sem controle da razão, acordo banhada em suor
A garganta flamejante seca de gritos, ansiosa por morrer

Já tornei de todos os vinhos para enfeitiçar o sono
Queimei-me com quinhentos cafés
Angustiei por dez noites sem cerrar o olho
Chorei as dores em dez cabarés

E hoje sou cinzas da libertinagem,
Zumbi clandestino na realidade
Vago com os olhos semi-cerrados, sem coragem
De dizer adeus a mocidade





E agora que bendita a sorte e desdita a poesia
Louvo o tempo por sentar e me esperar
Beijo este chão de fartas alegrias
E vivo dia e noite a sorrir e a sambar

quinta-feira, 13 de maio de 2010

"Curumim, chama Cunhãtã que eu vou contar"

Dá-me tinta de urucum
Para pintar corpo meu em teu
Dá-me o calor de teu coração nu
Para amolar o que embruteceu

Dança com meu corpo o amor
Me gira e me derruba com paixão
Derrama em meus olhos o ardor
Engole de um gole minha solidão

Ainda que não queira eu o teu
Ainda que fujam de ti meus olhos
Ainda que meu eu, que emudeceu
Não cante mais teus sonhos

Ainda que meu desafinado canto minta
Teus olhos têm o dom de ouvir
E tu de ler minha alma em tinta
E mesmo assim vir
Sabido isso, faça-me um favor?
Ensina-me a graça do sorrir,
Ensina-me a sorrir de amor?

sábado, 8 de maio de 2010

Um brinde à vida

Ah, mas que bela boemia!
Enquanto respirar,
Embebedarei-me nessa linda sinfonia

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quando cantam os lábios da Morte antecipada

De repente, foi fatal
De súbito foi certeza
De um pulo meu peito morreu
E encarei a morte com surpresa

E em todos os olhos eu a vi
Esgueirando-se por entre os corpos
Rindo naquelas bocas tortas,
Eu a vi sorrir

Ah, e aquele meu peito falecido
Sufocado e esmagado e carcomido
Sofria ainda de certeza
Mas não de luto
Sofria ainda pela sanidade
Mas não de medo
Sofria e chorava com meus lábios
Sofria de solidão
Sofria pelo medo de estar só
Sofria pelo medo de meu coração
Que louco e vazio e em pó
Sofria de pavor,
Pavor do não

Ateliê de Idiotas

Pode ser que seja eu
Mas quanto mais enxergo
Mais vejo o breu
Quanto mais reparo
Na vida dos outros
Mais vejo desamparo,
Gritos surdos e roucos
Da falecida Utopia

Celebro aqui a Miopia

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Afago da solidão

Olha lá, que pode sempre acontecer
De o amor
Nas costas do silêncio se esconder

domingo, 2 de maio de 2010

De nada adiantam as flores, suas pétalas me desfloram

Não seja tão cego, amor, não condene meus esquivos
Pois fujo não por orgulho retido
Mas por temer que sua ânsia de ardor
Faça padecer de desgosto meu coração rendido,
E afogar em desventura meus olhos de dor

Pois ao queimarem meu peito as lembranças
De minha pele sendo a sua
De seus olhos, com paixão contida e nua
Amando-me com sincera esperança,

Ao queimarem meu peito, amor
Revejo em meus sonhos suas costas partindo
Estas ensinando-me a graciosidade da dor
E o encanto do amor fingido

Ao sentir meu corpo seu cheiro,
Quedava logo nua de medo
Ao tocarem meus lábios seu sorriso,
Ria meu coração em histérico regozijo
E quando confessavam nossos olhos!
Ah, nessas horas eu era mais que sua
Eu era sua carne, seus poros
Sua alma, sua mente, seu corpo
E minha vida finalmente nua

E minha vida subitamente crua
Quando enxerguei em seu olhar lascivo
Os propósitos de perverso amante
E as mentiras de ator festivo
Que defloraram minha ilusão viciante

Então não ouse condenar-me!
Depois de travestir sua intenção
Não ouse tocar-me!
Negarei sua libidinosa paixão
Pois veja, eu sou amor
E não é de carne que se alimenta o coração

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Os olhos dos outros

Não chore, menina bonita
Se o mundo a quer
Partindo para virar guerreira,
Calçar os pés

Caindo para voltar à beira
Sem mar sequer
Tentando engolir areia
Para virar maré

Ah, linda mulher da vida
Envolve-te em ramos
E entregue sua alma servida
Aos cegos e ciganos

Ah, garota de todos os poucos
De todos os que não te enxergam
Palavra daqueles outros
E dos muitos que te levam

Lave com suas lágrimas o corpo
Molhe seu coração
Ah, velho corpo novo
Seco de solidão

Menina dos olhos pro mundo
Da mente e idéia adunca
Criança de sonho fecundo
Que essa sua vida não acabe nunca

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Pequena palavra para pacatos

Quem não desordena
A liberdade condena

domingo, 4 de abril de 2010

Obscena conveniência

Eu perco os papéis da poesia
Eu esqueço a porta aberta
Eu perco as razões da alegria
Eu morro e morro desperta
Meus passos perdem o chão
Minhas palavras perdem a paixão
Minha mão calejada e calada
Não desenha mais a ilusão
Eu ganho acalentos da azia
Eu encontro olhos de razão
Eu ganho razões pra agonia
Eu sujo meus pés de solidão
Eu deixo minha alma vazia,
Para seus passos encontrarem meu chão

Eu esqueço a porta aberta,
Você entra e entra sem poesia
Eu sorrio e meço a oferta
Eu entrego-me por cortesia

terça-feira, 30 de março de 2010

Sobre tudo o que viveram

Queria um jovem que contassem-lhe uma história
Sobre a alvorada no corpo de amados
Sobre o crepúsculo no coração da memória
E o entardecer na juventude dos soldados

E de tanto o menino insistir,
Um velho após o último copo a tornar
Desatou a como um mercador mentir
Forjando sua vida ali narrar

"Pois se bem o queres, meu rapaz
É bem que seus olhos não saibam chorar
Pois o que vazará de meus lábios
Já matou de ressequido um homem a amar

E se caso te cansar o coração,
Não te retires, não
Pois lhe digo que não é fugindo da miséria
Que arrancarás da carne a solidão

Pois agora que pedistes terá,
O conto que por tempos quis fosse passado
Mas este sempre me encovará
Sufocando-me com o veneno em mim encarcerado

Não! Não é este veneno que de meu olhar jorra,
É outro que minha alma enlevara há incontáveis anos atrás
(Digo incontáveis pois quando jovem não hão horas),
No tempo em que meu vinho era envergado com antraz

Se ainda não sabes sobre o que discurso, caro amigo
É porque nunca sentira no estômago o fogo da paixão
Queimando-lhe as veias e enviesando-lhe o destino
Nunca vira as paredes de teu quarto fecharem de aflição
Nunca tremera embriagando-se com a lembrança de sonhos
Nos que possuia em teu corpo quente o impossível, nos quais ouvia
Uma respiração úmida que sussurava-lhe palavras de desmedido amor
Que permaneciam na mente de forma a torturar-lhe com doentia
E faziam com que a realidade ocorresse com delirante esplendor

Ah, como eram singelos os passos de minha amada
Caminhando como que se pertencesse a esse mundo!
Minha meretriz que fora no pecado atada
Deixando-me da candura desnudo!

Como amei aquele perfume de ervas,
Como traguei aqueles olhos de mar!
Como entreguei-me a fúnebres trevas
Quando minha devoção ela decidiu estirpar

Não que fosse sua culpa! Não!
É que seu ofício não lhe permitia o olhar
E ao matar a lei e minha paixão encontrar
Fora a pobre forçada a entregar a alma à solidão

Pois sendo sua a função de pecar
Não pôde minha amada me ver
E frente ao inviável destino de não a ter
Entenda, não tive outra opção senão comigo a levar

Mas, veja, quando partíamos de volta ao paraíso,
Onde desfrutaríamos do celestial e do impossível,
Deu-se que na falta de maior juízo
Foi ela sem mim, deixando-me nesse inferno atingível

Compreenda-me, rapaz, e sinta com meu corpo
Imagina-te carregando em seus braços o amor
Deitando-se no chão frio teu maior sonho, morto
Diga-me, com verdade, não iria ti dar-lhe calor?

Pois ao vê-la ali na realidade, caída
Não lamberia o senhor também seu sangue?
Só para ter em teus órgãos a divindade escondida?
Imagine tu, lambendo seus salgados lábios,
Lambendo o vermelho em seus dedos,
Amando o que em carne tornaram-se medos
E tocando seus sonhos vários?

Se não te vês é porque nunca a vira
Pois se a visse a teria em carne e odor
Ah, claro! Por sua morte reinara em mim pura ira
Mas serena-me saber que resta em mim seu amor

Pois de sangue minhas mãos não foram lavadas,
Mantenho em meus poros seu seco vestígio
Todos os traços de antiga paixão dilacerada
E toda a perfeição de minha amada mantida com prestígio!

Sinta! Sinta em meus poros o odor dessa paixão!
Não te enojes do amor, meu caro!
Pois é ele minha toda e única razão
E veja bem, morrerei com parte de minha amada em minha mão!

Morrerei em carne, pois minha alma há muito se foi
Está lá com ela, veja, desfrutando de desmedida alegria
E logo a verei, e meus olhos outra vez viverão
Preencherei-me novamente com seu calor,
E viverei, viverei na morte com ressucitado esplendor!"

E sem compreender, fora o rapaz embora
Refletindo sobre o tanto que havia bebido
Temia, inconformado por perder a hora,
Que em casa fosse com um sermão recebido

terça-feira, 23 de março de 2010

Agora que o rancor impera o luto

Se são as mais belas cascatas de mar,
Sua fonte de dor vulgar, que salgam-lhe os poros
Se é pelo teu amor que sangra a garganta ao gritar,
Tema do tremor de teu peito, invisível a meus olhos

Se é pela culpa que vai declarar luto
Cobrir de negro a vergonha de seus atos
Se quando estes me consomem em absoluto
Cobrindo com lamúrias meu amor atado,

Poupe suas escassas gotas de contrição
Salve seus forjados olhares de amor perdido
Guarde com obscena humilhação
Sua depressão e seu discurso já ferido

E quando despencarem desmedidas cataratas de pena,
Assim que estas te banharem com água salgada,
Não me procure por não mais saber dormir
Pois quando de dor o coração bate pela falta
O sangue cessa de correr e os lábios se esquecem de sorrir
E sua esperança a vida mata

E quando acordar com aflição do sonho perdido
Assim que de pesadelos passar a viver
Não me peça de volta o encantamento desmedido
Pois este já não sei mais encenar ou ver

E já não posso perdoar sua calculada cilada
Quando a sangue frio comeu minha carne quente
Pois me esqueci do que era crente,
E de amor, meu amor, já não sei nada

quinta-feira, 11 de março de 2010

Íris

É sensação pura e bruta
É antropofágica selvageria,
É a ânsia de tudo engolir
É a necessidade libidinosa de viver,
É o prazer indecifrável de sorrir
É o grito calado da liberdade,
É o retrato carnal da realidade
É a lamúria dos amantes,
É o riso dos loucos errantes
É o pulso vibrante dos poetas
É o sangue das almas inquietas
É vida escondida,
É a humanindade revelada
É os desejos reprimidos,
É a verdade sufocada,
É transcedência dos sentidos,
É a busca encontrada
É o encontro marcado com a razão
É mundo entalhado em tinta,
É o amor, é a paixão
É todo o corpo que levita
É fascínio com o nada
É existência de um em todos
É permanência de todos em um
É ser a vida ressucitada
É ser comum
É ser você
Com a diferença de saber ver
Com a diferença de pintar o sofrer
Com a diferença de realmente viver

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Anatomia do Encontro

Sem a ternura de seu olhar
Meu coração recusa-se a bater
Meus pés negam o andar,
Minha alma cansa de viver

Depois que minhas mãos tocaram seu corpo,
Depois que minha vida espelhara a sua
Assim que em amor fui absorto
Assim que nossas mentes fizeram-se uma

Minha pele queima em desespero
Meu sangue corre sem vontade
Meu rosto se banha sem esmero
Meus olhos duplicam de idade

O tempo concentra-se na solidão,
Na falta, na dor e na incerteza
Congela-se em inesperada desilusão
E eterniza-se em experiente tristeza

E o tempo dilacera minhas entranhas
Enlouquece meus poros com lembranças,
Pois meu couro ainda sente suas manhas
Meus lábios estão ainda molhados de esperança

Como é carnívoro o amor!
Quando mastiga-me com sadismo
Quando despedaça meu peito com rancor
E devora-me os sorrisos

Como é justa a vingança!
Pois de tantas paixões que neguei,
Deu-se que quando enfim encontro a vida,
Esta afasta-me sem lei
E em silêncio não sou escolhida
Padecendo com o troco dos que fustiguei

É então justa minha miséria,
Justo o roubo do amor
Levastes de mim tudo o que tinha
E deixastes em mim o inédito vazio da dor

Só deixe-me, com o mínimo de compaixão,
Amar por último sua perfeição
Tocar seu último sorrir
Só para viver com gratidão
Por um dia poder rir,
Quando tive sua paixão

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As ervas dos olhos

Agora que minha mente se encontra dentre as entranhas do mundo
Enquanto meus olhos rezam com o corpo
Agora que meu delírio queda mudo
Enquanto meu coração declara-se morto

Enquanto a vida passa-me em segredo
Agora que o espaço devora meus tímpanos
Meus pés afligem com medo
E nesse solo convertem-se, oblíquos

Ah, luz do amanhã ecoando em meus suspiros,
Ilusão coando minha esperança
Os ecos do passado contorcendo-se em risos
E o sangue se queimando com esperança

Ah, as veias jorrando em flamas
Os objetos sussurando-me mantras
Meus desejos em outras camas
Minhas intenções fingindo-se santas

Que venham da terra as brisas
Preencherem meu fôlego com cantos
Que venham as ciganas, as saídas!
Exorcizando meus medos humanos

Que venham os índios testarem-me com liberdade!
Suas cordas alucinarem meus membros
A raça animal da verdade
A verdade incondicional dos desatentos

Que venham os segredos obscuros
A loucura dos amantes,
As proezas e os infortúnios
Derramando em minha pele o calor dos errantes!

Mergulhe em mim, juventude!
Mostre-me os passos dos regojizos
Leve de mim o anseio das virtudes
Leve de mim a razão, os juízos!

Sou sua, meus cabelos, meus nomes, minha verdade
Entrego-lhe a culpa, o medo e a razão
Quero navegar atada à irresponsabilidade
Quero afundar afogada de paixão!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Ato 1 - L'arrivé

Dançando breve em minhas veias,
Furtando meus versos,
Meus sorrisos
Já dispersos

Rasgando-me e costurando-me,
Com linhas de um sonho
Aquecendo-me e torturando-me,
E partindo risonho

Tirando-me os versos e as certezas e as emoções
E cortando-me em talhos
E se embebedando de meus perdões
E atirando-me ao espelho,
Fazendo-me encarar os retalhos
Do que foi tomado inteiro
Do que nunca foi amado

Sou meu passado queimado,
Meu futuro exagerado,
Inexistente,
Inconsciente

Sou meus desejos confusos,
Minhas palavras forçadas,
Meu corpo quente,
Suas mãos cansadas

Sou nada
Sou o espelho
Sou o que você não quis
Sou o que dou
Apesar de não dar nada
Além de um ato de atriz

domingo, 17 de janeiro de 2010

Perdão pelo atraso do amor

As calças largadas, as meias furadas, a dor apartada,
Os olhos nela
Moça singela,
Os olhos caídos, os braços subnutridos, os dentes ressentidos

A vista de terra, as pegadas da guerra, a vida sem terra
Os olhos nela,
Suor e sequela
O sol de sertão, as palavras na mão, a esperança na solidão

Ele a viu
E de súbito seu corpo parara
A boca da fome selara
As mãos lânguidas dançaram
A boca rachada estreara um sorriso
O menino de ossos chorava gotas secas de regojizo

Ele a seguiu
Os passos fracos na contramão
As palavras na mente em distorção
O peito ardendo com o toque da mão
Os lábios balbuciando com a falta da razão
Os grunhidos indecifráveis de paixão
E o golpe seco da desilusão

Ele fugiu
Os passos se quebrando
Os ossos falhando
A fome estourando
Os pêlos derretendo
O estômago se comendo
A alma adormecendo
As pálpebras caindo
Os ouvidos com um zumbido
Uns gritos expandindo
Uns dedos lhe furando
E a mão o acalentando
As unhas o cortando
E um beijo sem jeito
No rosto satisfeito
O amor mal-feito
Levando o corpo caído
Tombado, desligado
O corpo traído,
Morto de amado

Descubra-me.

Minha foto
Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões