segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Bolero da vida sem glória

De cordas e tons fez-se um homem
Peito de pau e corpo oco
O coração acústico, sem dono, sem nome
As marcas talhadas de samba e sufoco
A boca desafinada de canto sem som
As palavras já gastas de memória sem dom
Nas costas as farpas de vida mal-vivida
E nos pés os espinhos de veredas vencidas
E nos olhos...nos olhos o fúnebre vazio
Da solidão preenchida no caminho

De um homem fez-se uma história
Fraca moral da vida sem glória

De um poema fez-se a esperança
De nesta mentira haver semelhança
Com o que sou e o que calo
Com as rimas que não falo
Com estas linhas de formosa ilusão
Com este homem que não tinha coração


domingo, 22 de agosto de 2010

Escala de dó

em meus lábios dormiu a noite


e assim que o Sol, tímido e desmazelado,


inflamando as estrelas sem cuidado,


furtou a vida da Lua minguada


meu céu livrou-se dos perdidos sonhos


em antropofágica selvageria


os raios fizeram de meu paraíso


cinzas de exorbitante alegria


o que antes fora meu reinado da perfeição


tornou-se a verdade, minha aflição


que tortos caminhos me trouxeram!


minha eternidade fora pulverizada


sem mínimo esmero!




maldita seja a luz desalmada


por forçar meus olhos à realidade


fazer de minha ilusão circuncidada


apenas vaga lembrança


do que em meu coração era liberdade 

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Se de matéria fosse tecida minha consciência, nada seria de minha alma senão inútil excelência

Se de súbito meus sonhos partissem
Minhas mãos se cansassem
Minha mente cessasse
E meus olhos dormissem
Transitaria minha alma pelo almejado fim?

Se assistisse minhas mãos desfazendo-se em pó,
Meu corpo libertando-se de mim,
Eu não mais em minha companhia só,
Não seriam meus extintos sorrisos sinceros enfim?

Se são meus arrependimentos e pecados
A razão para as incontáveis e infinitas noites sem lua,
Se é a mortalidade atada à convenção
A causa de minha lamúria,

Que venha o fim acalentar meus medos
Sussurrar em minha consciência as promessas do limbo
Contar em meu colo a história dos desejos
Que em terra são a cova da paz
E no esquecimento a liberdade que almejo...

Tudo de profano com minha carne secaria,
A vontade encarniçada, o pavor da idade
A paixão visceral, o remorso letal...
A vida na morte encontraria

Toda a humanidade em sua desmedida humanidade
Roendo a alma até o osso da contrição
Deveria na crua indiferença ser enterrada
Para perecer em infindável quietação
No limbo de memórias apagadas
No paraíso da despretensão




Quem me dera desgarrar-me das obrigações
Partir-me oca, livre dessas vontades
Para no ermo preencher-me de saudades
Saudades das assassinadas paixões

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dia de Dora

Desperta, vira a hora
Roda na cama e força a fantasia
Ama, morre e chora
Acorda com bizarra azia

Cai, levanta e demora
Machuca os ossos e lava a alma
Se olha, desgosta e melhora
Adoça o café e bebe sem calma

Se molha, acorda o corpo
Seca o sujo da memória
Se veste, estranha e olha torto
Abre a porta e sai como escória

Anda, espera sem pressa
Entra com gente e senta sozinha
Desce, olha e atravessa
Finge breve ser rainha

Senta, come e não sente
Olha com amor e fala inibida
Volta, trabalha e mente
Levanta, parte sem vida

Anda, sobe com lágrimas
Gira a chave e entra morta
Deita, se cobre com lástimas
Divaga, adormece torta

Não desperta, não há hora
Imóvel na cama em fantasia
Não ama, morre e não chora
Parte com fúnebre alegria



Acorda, ri da hora
Salta da cama com euforia
Pensa, lembra de Dora
Lê sua morte no jornal do dia

Descubra-me.

Minha foto
Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões