Contos contados

quinta-feira, 22 de maio de 2014

entre faróis e túmulos

eu ia dividido
vido vivido em id's
    e idas
vivo o vivo e vivo
  tão curta vida
  tão longa avenida
  curta vida
  ao cortar a via
  cortei a vida
hoje,
divido a dívida
meio corpo no leito
meio corpo desfeito
me cortaram o peito
me arrancaram o coração
minha carne rasgada é aço
ironia de um corte na contramão

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dá-me um prato cheio recheado de lixo e lhe digo que tenho fome mas não de vício

Tenho fome.
Talvez, talvez devesse comer outro intragável mundo
Mas já me cansei de ganhar o peso de todos os homens
Já cansei de sentir em minha carne seus fungos
Tenho fome, tenho tanta fome
Mas em meu ventre sinto tantos corpos...
Sinto-me grávida de tudo
Quero parir todos esses ossos
De incontáveis anseios e vícios fecundos
E ainda, tenho fome
Talvez, talvez se eu enfiasse meus dedos em minha garganta seca
Golfasse esses devaneios infestados de vermes
Talvez assim minha mortal enxaqueca
Pudesse escorrer de meus lábios débeis
Tenho fome, tenho fome!
Em minhas veias corre a tristeza ébria
E a tusso e a cuspo junto de meu fôlego vencido
Meu estômago lota-se de princípios velhos
De filosofias vãs e intelecto fingido
Tenho fome...
De morte já me saciei e a vida que traguei
Não satisfez nem corpo ou (pobre) alma
Do amor provei mas minha fome é de rei
E corpos são a mão do diabo que afaga
E ele não corrompe minha fome
Que não é de hoje ou de anteontem
É a anorexia eterna dos sentidos
É o vazio físico das convenções que me consomem
E me comem, e comem meus ídolos
E comem minha vida até suicidarem-me de fome. Fome.
É a fome que tenho
Por nada ter

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Olho de Shiva

Perdoei meu amado por roubar-me o amor
De tantas lágrimas versadas e poucos versos cantados
Perdoei o tempo por sacrificar minha dor
De tantas sinceras e castas carícias,
Efêmeras e esquecíveis malícias
Culpei a liberdade por seu irresistível esplendor

Quantas forjadas renúncias me forço a fingir
Para que se cultive eternamente em seus francos olhos
Tão rara e cândida complacência,
Insuportável e constante carência... 

Como agora ousar destruir,
Com minhas garras rasgadas e roídas,
Sua suave e santa inocência?

Seu corpo é a perfeição,
A fantástica e impossível união
Entre a castidade divina da infância
E a culpa prevista no perdão

Mas da efemeridade surgiu o pecado
E em minha cachaça não cabe seu amor
Minha vida tornou-se o mais doce espetáculo
E minha brasa não é mais fruto de seu ardor

Com a dança dos vícios suei meus medos
Meu corpo é fumaça, minha mente é solidão
Tornei-me anjo de asas atadas em terra de desejos
Mas te perdôo por matar nossa paixão

terça-feira, 12 de abril de 2011

Oração ao esquecimento

Ave Solidão, tristeza imaculada
O desespero é convosco
Maldita sois vossa presença entre as noites
e bendito é o fruto de vosso ventre, as lágrimas
Santa Solidão, Mãe da beleza
Enxugai o pecado de meu corpo,
Agora e na hora de minha redenção,
Torturai cada veia de minha carne,
Secai o sangue de meu coração
Agora e na hora de minha sorte
Maldita seja sua voz nesta noite
Agora que o véu de estrelas esconde o luar
Exorcizai os erros em mim
Ave Solidão, cinza do passado
Apagai de mim o tempo,
Cicatriz lasciva da paixão
Apagai as linhas de aflição,
Talhadas em meu corpo e respeito


Limpai as lágrimas perversas
Que salgam meu corpo com pecado
E fazem de meu sorriso
Cicatriz do amor dilacerado, amém

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tribunal dos perdões

Certa noite, caminhando por entre os sonhos
Encontrei, com o destino em minhas mãos,
Maria das flores por entre urubus risonhos
E homens filhos do pecado de Adão

Maria, jogada no orvalho de erros passados
Úmidos de arrependimento
Regados pelo mar de seus olhos inchados
Decididos a viver em improvisado convento

Sobressaltou-se com os balbúcios de meus lábios
Que indagavam a razão para tão lastimável culpa
Pois ainda que estivesse eu em tão bisonha ilusão
Tamanho desalento não seria possível nunca

Então, como se de seu olhar escorresse a baba do diabo
De seus pulsos jorrasse labaredas do inferno
E do sangue de seu coração surgisse o pecado
Maria rogou pelo perdão eterno

Confessou, com lânguidas palavras rasgadas
Que em posição de Eva e engano de Madalena
Cedera a quimeras passadas
Embriagada de ilusão e loucura serena

E entregou-se às tentações de lascivas lembranças
Enterrou-se em cova de erros e submissão
Aceitou, quando nua, louca e falsa esperança
Agonizou ao toque de bocas cruas de paixão

E então lágrimas brotaram, hemorrágicas e vazias
E sua boca urrou com desbotada virgindade
Implorando para que bebesse eu suas agonias
Para que lhe devolvesse a insônia e a castidade

Queria que os pesadelos não mais lhe corroessem a sanidade
Pois quando cria ter se livrado enfim do desespero
Percebera que ela, em melancólica realidade
Era, quem diria, meu rosto mirando o espelho

domingo, 10 de abril de 2011

Maria, Mulher da Vida

Pelo triste aborto da felicidade
Caíram em mim as lágrimas de uma moça
Que por amar a liberdade
Foi-se embora, largando a louça
Seu marido, destemido
Chegou em casa assanhado
Deitou-se descontraído
Urrando por um cuidado
Quedou um tempo, esperando
Até esgotar-lhe a paciência
Pulou da cama, berrando
O corpo à mostra, sem decência
Correu desesperado, viu a louça sem lavar
Impetuoso, agarrou o facão
E Maria foi procurar
Esquecido da razão
Não a encontrava
A procurava
Sem paixão
Não a via
Até que então
Num canto sem alegria
Estava Maria destruída
Distraída na solidão
O homem, irado
Pegou sua mão
Arrastou-a pelo asfalto
No facão ao alto
Refletia o sol do verão
Maria, num suspiro fraco
Suplicou perdão
Ele, com asco
Cuspiu em sua face
E furou-lhe o coração
Sem ninguém em seu encalce
Foi-se embora pacato
E ao chegar em casa
Lavou todos os pratos.

Marguerite aux camélias

 Marguerite, prise d´un accés de toux, tombe en rentrant dans sa chambre. Assise, elle regarde le miroir.
- Ah! Quels malheurs me sont reservés! Qui aurait di que la pâleur m´aurait fait pleurer...
 Armand, après quelques secondes d´hésitation, rentre.
-Madame ! Pourquoi êtes-vous par terre?
-Monsieur Armand! Ne vous inquietez pas, je suis juste tombée...pourriez-vous m´aider?
(Un temps) Qu´est-ce que vous avez dans les mains?
-Eh, bien...je vous ai apporté des fleurs.
-Merci, c´est bien gentil...mais je n´aime pas les camélias, Armand.
-Pardonnez-moi....
-C´est rien, ne vous inquietez pas de ça. Mais alors, quel est la raison de cette agréable visite?
-Je voulais juste savoir si vous allez mieux.
-Bon, je ne vais pas mieux, mais je ne vai pas plus mal non plus. D´ailleurs, je commence à m´habituer.
-A vous habituer? Mon Dieu, madame, comment pourriez-vous vous habituer à l´idée de mourir? Vous vous faites du mal! Marguerite, laissez-moi vous racompagner chez vous, vous aurez au  moins un moment de paix. Laissez-moi vous soigner!
-Mon cher, ne voyez vous que je suis en paix? C´est grâce au péché, au plaisir et à la vanité que je suis encore dans le monde des vivants. Je suis déjà condamnée, quand je regarde dans le miroir, je vois la mort en sourriant. Comment pourriez-vous changer mon destin? Changer ce qui est déjà fait?
-Par l´amour que je vous porte!
-L´amour?! Armand, cela n´existe même pas dans ma vie.
-Vous vous trompez, Marguerite, car il est plus proche que ce que vous imaginez...
-Si vous parlez de tous les hommes qui on dit "je t´aime" dans mon lit, aucun n´était sincère!
-Non, madame, je parle de moi! Je parle de l´amour incontrôlable que je ressent pour vous! De toutes les nuits de veille où j´ai pensé à vous, de tous le jours où je suivais votre existence. Voilá maintenant deux ans, deux ans que j´ai cette passion encarcerée dans mon coeur. Depuis que je vous ai vue pour la prémièr fois, tout ma pensée fut remplie de vous, de vos yeux, de votre beauté, de votre parfum, de vos cheveaux, de votre sourrire...
-Vous m´aimez...Pardonnez-moi d´avoir oublié ce que signifie ce mot mais...mes sentiments se limitent au plaisir...je ne comprend pas comment pouvez-vous m´aimer, Armand, je suis même sûr que vous ne saviez pas ce que cela veut dire....De toute façon, à quoi ça sert l´amour quand la mort est si proche? Non, ne me répondez pas, Armand, car je sais déjà la réponse que vou me donnerez...non! L´amour ne pourra pas me soutenir, car je ne sais pas aimer.
-Je peut donc vous l´enseigner!
-Vous n´avez pas compris, mon cher, je ne veut pas aimer.
-Même se je vous promis de vous être dévoué, de corps et âme?
-Ah, et porquoi voulez vous ça maintenat, dans mes derniers jours? Pourquoi n´avez-vous jamais promis ce dévouement avant, quand j´avais encore l´espoir de vivre? Vous n´êtes jamais monté ici durant ces deux ans...pourquoi?
-Je ne vous conaissais pas...
-Et croyez vous que vous me connaissez maintenat? Alors que je suis si prête a partir? Alors que vous m´avez parlé pendant ce temps la? Ces dix minutes?
-Je crois que je peut comencer à vous connaître, mais avant je n´avais pas assez de courage.
-Hélàs, vou n´aviez pas le courage de monter dans la chambre d´une courtisane? A présent qu´elle est devenue malade, vous avez trouvé ce courage?
-Non! Ce n´est pas cela...
-Alors, qu´est que c´est? Pensez-vous qu´une prostituée malade est plus sentimentale?
-Marguerite! Je n´ai jamais dit cela!
-Mais, peut-être, l´avez-vous pensé?
-Arrêtez cette torture, je vous aime, comment pourrais-je penser cela de vous?
-Ainsi vous êtes vraiment amoureux de moi!?
-Je ne sais pas si je dois vous le dire aujourd´hui que...
-Ah, Armand...il serait mieux, pour votre coeur, de ne le dire jamais.

12/03/2007

sábado, 12 de março de 2011

Noite do Impostor

Não com outros olhos me amaram
Mas com aqueles de sincera paixão
Se fosse com os de lascivo desejo,
Eu talvez encontrasse o perdão
Como respeitar o reflexo
Quando nele só enxergo a solidão?
Não busco ou admito outros versos,
Estes não rimam minha pretensão
Sou o egoísmo solitário e virgem
O libertino e jovem desamor
Sou a máscara da vertigem
Sou a imposta dor

domingo, 24 de outubro de 2010

Sonhos

Andava Anita de corpo curvado
No peito as mazelas do sonho furtado...
Como queria eu sua dor furtar
E virar filho de rei  para em seu olhar reinar

Aqueles olhos de calma castanha
De serenidade subversiva, de terra abatida
De brasa contida, de cândida manha
De paixão ressentida em minha cama

O nariz de feitio divino
Aspirava meu coração desmazelado
Guardava em seus pêlos meninos
Meu suor de amante agoniado

Sobre seus lábios não me atrevo discursar
As rimas seriam ofensas, os versos chagas
Pois nunca a carne fora o próprio amar
A não ser naquela rubra fenda de mágoas

Em seu pescoço o odor da solidão
Em seus seios o berço de meus beijos
Em seu ventre minha lânguida ilusão
Em suas pernas meus roxos anseios

E em seu espancado coração
O vazio transbordando minha ausência
O vicioso afago de meus perdões
E de minha louvável clemência

Pois vivia Anita de suplícios
De pecados urrados em silêncio
De orgias, banquetes e vícios
Toda a luxúria em sonhos imensos

E eu a flagrava à noite a dormir
Com o perfume úmido do desejo
Seu corpo em espasmos a sorrir
Seus olhos brilhando em lampejos

E eu morria a cada luar desgraçado
Assistia à fuga do Sol em depressão
Rezava em canto desatinado
Para que corresse o dia sem escuridão

Até que conformado com minha mortalidade
Cedi a meus anseios humanos
Esqueci-me de nossa santíssima divindade
E entreguei-me aos torpes e profanos

Não fossem os venenos da fraqueza
Da cachaça singela, da injeção e da erva
Ainda seria eu membro notório da nobreza
Eu, filho de rei e amante da donzela
Hoje a sete palmos do chão,
Mas para sempre viva em meu coração

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Convite de Tristão

Pois veja só o quanto, por me amar
Fizera de minha mente a fonte do ódio perverso
Fizera de meus olhos cascatas de amor confesso
As palavras, assim singelas e educadas,
Estriparam meu corpo quente
Levaram à garganta as ilusões amadas
E assassinaram meus sonhos complacentes
Emudeceram meu rir,
Com a bravura do impossível
Levaram-me a injustamente sentir
O que cria ser impossível
Acenderam em meu peito a brasa esperançosa,
Verteram em meus lábios a peçonha da paixão
E convenceram minha alma medrosa
A morrer pela própria mão
Pois morrer…por lúgubre que seja
É a única medida terna
De garantir a ilustre certeza
De que nossas vidas serão eternas

sábado, 9 de outubro de 2010

Se mentir fosse o pior castigo

Agora, quando fugida e sem demora,
Esquecida e com triste glória
Agora sem seus passos no enlaço dos meus
Com seus sorrisos em fotos esquecidos
Com meu corpo longe do seu toque
Agora, quando enfim creio no fim da memória
Quando pura me limpo de nossa história
Guardada apenas em sonhos meus
Agora, com o ventre vazio do peso seu
Percebo que não, meu amor não se perdeu
Me cativou, me enganou e afugentou-se
Mas voltou para me castrar
Agora, com suas mãos em meu olhar
Desenhando o que hei de lembrar
Vejo que mesmo de corpo flácido e oco
Seu sangue ainda corre em minhas veias
Me acorrentam à sua ilusão
Fazendo com que eu novamente creia
Que nosso amor não foi nunca verdade
Mas será sempre minha liberdade
Pois nenhum outro hei de ter
De tanto ser sua 
Sou livre de meu próprio ser

Defunto itinerante

Foi justamente naquele instante que percebi
Assim que, de tanta tristeza, dei pra sorrir
Foi naquele momento tão breve, e ainda constante
Quando as paixões outras, outrora minhas, decidiram partir
Quando meus motivos, singelos e fingidos, cansaram de existir
Quando percebi que viviam todos, menos eu
Que viviam todos, enfim;
Naquele instante, sem pompa ou fausto
Passei também a viver sem mim


Sweet Wings

Drop your tears, love

In the remaining pieces of our ilusion

For I've found the freedom's dope

And your joy became misused

I ain't the reason's alibi

Nor gonna let the youth go by

For I've found my chains to be your eyes

And I ain't the prisioner of love's lies

I'm naked in joy's histeria

Free in lonely skies

Deep down in rainbow's euphoria

I found my wings to fly

And I'll go far to oblivion's sea

For past is no longer me

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

De todos os palcos que subi, de todas peças que vivi e a vida que encenei


Eu nunca  disse não.
Talvez, algumas poucas vezes, tenha me enganado
Ou tenham enganado a mim
De tudo que neguei agora me falta
E essa falta corrói meu peito e carne
Sedenta me arrependo, faminta me ajoelho
Aceitem agora minha solidão
Que seja escarrada de meu decrépito corpo
Que cheio de tudo esvaziou-se de emoção
E tendo tudo o que agora me falta foi o que não quis
O que superior a tudo me desfiz
E que hoje talha meu sorriso desmazelado
Pois não tenho mais seus poemas,
Nem seus
Ou dele
Não tenho mais seus olhares
Nem as rosas dele
Nem os versos de outro
Pois de coração atado nada me sobrou
E comigo mesma já não suporto viver
Meu reflexo já não compreendo
Passo dias mirando-o, morta
Ou morto ele
Mas não vejo nada além de pele flácida, olhos ocos
É um vazio desalmado, um livro usado
Um conto esquecido, jogado, ignorado
De contento batido
De linhas retas, maçantes, ululantes
Algo a não ser lido
As páginas em branco restaram,  não há quem preencher
O começo fora interessante, o resto pedante
O final não vale saber

Liberdade é o prato cheio na barriga do faminto

De dia o sol entrando no corpo em chamas, vermelhas lágrimas
Queimando o rosto que um dia fora todo
E hoje mal é nada
E os restos dos resquícios dos sorrisos que ninguém vê
Se perderam no mar que forçou a esquecer

Mergulhada na ebulição das noite nuas, dos meteoros e das falsas luas
Subiu na estrela que ninguém mais viu
E foi longe ao imprevisto, ao impossível ao irreprimível ser
Tornou-se a explosão dos astros, dos abraços esquecidos e dos amores fingidos
Tornou-se  pura e finalmente sua


Sumiu sem nada ver
Sem ter visto
Sem ser vista
Ninguém viu
Ela ser

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Carrego em minhas entranhas gastadas a vida
Vomito com minhas palavras a vida
Em minhas poucas virtudes forço a vida
Mas sou sono
E em meus sonhos não existo
E se existisse a morte
Morta seria.

Poucas e definitivas

Como se do corpo se fizesse a alma
Da guerra surgisse a solução,
De meu coração não se faz a paciência
Para se brincar de devoção

Não nego a perfeição dos versos cantados
A celebração de uma união
Mas quanto a buscar o amor
Prefiro me guardar pra solidão



terça-feira, 28 de setembro de 2010

Renego o amor

São nessas horas de solidão forçada
E de desilusão contente
Que enxergo em mim uma alma aguada
Escorrendo pelo vício imprudente
Vício este pela já manjada tristeza
Pelo salgado das lágrimas de estimação
Pela busca da certeza
De que o buraco de meu coração
É preenchido pelo torpe tumor da crueza

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ócio aflito

Morrem na garganta as palavras profícuas
As únicas que para algo serviriam
Em seu lugar, o golfo de rimas oblíquas
Quem diria que estas não me alimentariam?
Agora ando faminta, minha mente ossuda em contrição
Vertendo o veneno da ilusão
Dissolvendo-me as idéias e emudecendo meus sentidos
Quem diria que não são sinceros meus sorrisos?
Estes, espelhos da imensidão oca de meu eu pensante
Consomem meu saber
Pois esquecendo-me do intelecto sufocante
Posso com a ignorância aprender a viver

Les plaintes du condamnè

Como queriam os erros meus
Sedar minha mente aflita
Embriagar os remorsos ateus
E emudecer minhas conquistas
Como queriam meus sonhos despertos
Desbravar minha realidade adormecida
Fazer desses urros incertos
A música da razão iludida
E frente à face do inimigo destemido
Queria meu corpo ceder à terra do passado
Enterrar-se num suspiro sucumbido
E retornar ao repouso furtado
E agora que de desilusões e misérias
Minha carne se alimenta
Como quer meu eu se esquecer!
Se perder
Se render à solidão mórbida dos suicidas,
Pois já não sou carne,
Sou lágrimas arrependidas

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Bolero da vida sem glória

De cordas e tons fez-se um homem
Peito de pau e corpo oco
O coração acústico, sem dono, sem nome
As marcas talhadas de samba e sufoco
A boca desafinada de canto sem som
As palavras já gastas de memória sem dom
Nas costas as farpas de vida mal-vivida
E nos pés os espinhos de veredas vencidas
E nos olhos...nos olhos o fúnebre vazio
Da solidão preenchida no caminho

De um homem fez-se uma história
Fraca moral da vida sem glória

De um poema fez-se a esperança
De nesta mentira haver semelhança
Com o que sou e o que calo
Com as rimas que não falo
Com estas linhas de formosa ilusão
Com este homem que não tinha coração


domingo, 22 de agosto de 2010

Escala de dó

em meus lábios dormiu a noite


e assim que o Sol, tímido e desmazelado,


inflamando as estrelas sem cuidado,


furtou a vida da Lua minguada


meu céu livrou-se dos perdidos sonhos


em antropofágica selvageria


os raios fizeram de meu paraíso


cinzas de exorbitante alegria


o que antes fora meu reinado da perfeição


tornou-se a verdade, minha aflição


que tortos caminhos me trouxeram!


minha eternidade fora pulverizada


sem mínimo esmero!




maldita seja a luz desalmada


por forçar meus olhos à realidade


fazer de minha ilusão circuncidada


apenas vaga lembrança


do que em meu coração era liberdade 

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Se de matéria fosse tecida minha consciência, nada seria de minha alma senão inútil excelência

Se de súbito meus sonhos partissem
Minhas mãos se cansassem
Minha mente cessasse
E meus olhos dormissem
Transitaria minha alma pelo almejado fim?

Se assistisse minhas mãos desfazendo-se em pó,
Meu corpo libertando-se de mim,
Eu não mais em minha companhia só,
Não seriam meus extintos sorrisos sinceros enfim?

Se são meus arrependimentos e pecados
A razão para as incontáveis e infinitas noites sem lua,
Se é a mortalidade atada à convenção
A causa de minha lamúria,

Que venha o fim acalentar meus medos
Sussurrar em minha consciência as promessas do limbo
Contar em meu colo a história dos desejos
Que em terra são a cova da paz
E no esquecimento a liberdade que almejo...

Tudo de profano com minha carne secaria,
A vontade encarniçada, o pavor da idade
A paixão visceral, o remorso letal...
A vida na morte encontraria

Toda a humanidade em sua desmedida humanidade
Roendo a alma até o osso da contrição
Deveria na crua indiferença ser enterrada
Para perecer em infindável quietação
No limbo de memórias apagadas
No paraíso da despretensão




Quem me dera desgarrar-me das obrigações
Partir-me oca, livre dessas vontades
Para no ermo preencher-me de saudades
Saudades das assassinadas paixões

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dia de Dora

Desperta, vira a hora
Roda na cama e força a fantasia
Ama, morre e chora
Acorda com bizarra azia

Cai, levanta e demora
Machuca os ossos e lava a alma
Se olha, desgosta e melhora
Adoça o café e bebe sem calma

Se molha, acorda o corpo
Seca o sujo da memória
Se veste, estranha e olha torto
Abre a porta e sai como escória

Anda, espera sem pressa
Entra com gente e senta sozinha
Desce, olha e atravessa
Finge breve ser rainha

Senta, come e não sente
Olha com amor e fala inibida
Volta, trabalha e mente
Levanta, parte sem vida

Anda, sobe com lágrimas
Gira a chave e entra morta
Deita, se cobre com lástimas
Divaga, adormece torta

Não desperta, não há hora
Imóvel na cama em fantasia
Não ama, morre e não chora
Parte com fúnebre alegria



Acorda, ri da hora
Salta da cama com euforia
Pensa, lembra de Dora
Lê sua morte no jornal do dia

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ode ao espaço geográfico

São as mais belas mãos, desfalecidas e esquecidas
Fim irrevogável de um corpo que não havia de ter fim,

Ah, se fossem as mais justas vontades atendidas
Não estariam descoradas ou distantes de mim!

Mãos celestiais, cândidas e imorais
Em toda sua ingenuidade e complacência
Amando com o roçar suave de carne na carne
Servindo como o mais gélido gelo no coração que arde
E a mais rubra brasa no amor sem imprudência

Ah, por que sórdidos motivos as furtaram de mim?!
Desentrelaçadas nossas mãos,
Os corpos que as seguem movem-se em vão
Vagueiam na saudade e, oh! esquecem-se com a idade
Da solene promessa do amor sem fim

Benditos sejam os sonhos
Por permitirem o encontro das mãos amantes
Para acordarem seus lábios risonhos
Ainda que permaneçam seus corpos distantes

Benditos sejam os sonhos
Pois neles não há distância ou mar
Benditos sejam seus olhos castanhos
Por eles esqueço-me de acordar

Com sua mão em meu leito, o amor está feito
E há de voltar

domingo, 27 de junho de 2010

Estado de graça

Edito minhas mentiras
nunca fui poeta
todas minhas poesias
foram ilusões indigestas

Entrego minha tinta e minha verdade
meu passado e meu remorso
minha forjada liberdade
e tudo o que posso

Visto o vazio, agradável sensação de não existir
Assisto meu parto
Agora que parto
Para nunca mais ir

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Minhas veias embriagadas discursam melhor do que as palavras

Quando em sonhos almejo teu amor
Ainda que sabendo que nada guardas além de rancor
Imagino nossos corações se entregando
Não apenas em corpos mas em prantos

Vejo que meus suplícios não sabes perdoar
Ainda que queira eu a ti tudo entregar
Foges de mim como se fosses te devorar
E ris de minhas palavras a divagar

Ainda que sejam minhas palavras embriagadas
Deverias tu considerar minha cilada
Pois veja só, não te amo
Mas quero de ti tudo que não queres entregar
E entendo enfim a palavra amar
É querer
E cobiçar
Sem saber
Que te amar
É apenas não te ter
Para ti viver
Sem saber
Que querer é não poder

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Que rasguem minha carne, minha vida não será em vão

Estranho silêncio o dessas almas rompidas
Clamando em sonhos o que calam em vida
Funesto viver sem palavras para dar...
Injusta penitência a de oferecer para cobrar

Miserável destino o dessas almas sem Poder
Pois sem Poder não passam de sentidos calados do saber
Pobres diabos, desamparados e injustiçados
Que desventura lhes dar o sorrir sem ensiná-los a sentir!

Pois então urrem os mudos suas lástimas e lamúrias,
Enxerguem os cegos o que nosso olhar já esqueceu
Cantem os poetas a melancolia da rotina,
Morram os já falecidos de injustiça doentia
E renasçam os heróis dos sonhos meus

Quanto a mim, deixo lábios e corpo calados
Pois não hei de conformar-me com os atos
Dos torpes e injustos e ingratos...
Proclamarei a liberdade da igualdade,
Calarei-me com os mudos
Com os cegos não verei
Juntarei-me aos surdos
E da vida me despirei

Que é na simplicidade que a alma se eleva
E na cobiça que o sorrir se enterra
Serei a vida nua de vida
Serei o silêncio da revolução inibida
Serei o que foi e não mais será
Serei a razão de amar
Serei a razão
Serei o não
Serei, não
Não serei
E assim será

terça-feira, 8 de junho de 2010

Quando os amantes se entregam à insanidade do óbvio e se esquecem da realidade do amor

Dos pregos em minhas mãos encravados, restaram rubras chagas
Supuram meus pés com os vestígios de injusta penitência
Nos ossos as cicatrizes da cruz de espinho em que me meteram
De meus olhos deita o sangue do tormento
Que incineraram-me em público linchamento
Que nada em mim viram além de carcaça oca sem moral ou coração
Que ainda que aqui em meu peito não caiba nada além de paixão
Que mesmo predestinada seja minha alma a explodir de sentimento
De vida pulsante só encontraram atrevimento
Nos meus bramidos só ouviram o que perderam
Sussurrando em seus olhos chorei pela ausência
Dos seus olhos cegos ao amor, aquele que dei-lhe quando me crucificavas

Que preferiu seu coração acreditar
Que quando a todos me entreguei
Não quis eu te amar
E olhe agora o que me tornei
Seu animal que desacato
Seu passado perdido
Seu erro de estúpido coração pacato
Meu coração rendido,
Para sempre dilacerado
Para sempre, olvido

E olhe agora o que me tornei:
A mais oca ilusão
E olhe agora o que tornei:
A peçonha da solidão

Agradeço-lhe por ter sido meu rei
Sem fazer de mim rainha
Não mais me darei
Agora sou mais que minha
Sou todos os gritos do mundo
Guardados em mim sozinha

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Arranca da cama os lençóis que sem Sol não sei dormir

Nestes benditos dias de desdita morte
Quando o tempo corrido se cansa da pressa
Quando conta o Sol, em elucidação improvisada
A razão desse forjado sofrer

Penso eu que nas terríveis horas de solitária escuridão
Minhas lágrimas de dor não passam de ingênuo terror
Terror não da ilusão,
Essa apenas afago da decepção,

Terror dos quiméricos, dos homéricos Sonhos
Da fantasia de fanáticas noites do passado
Aquelas, as conturbadas e desgraçadas
As vertiginosas e lascivas, as reais e as fingidas

Penso eu que não sabia antes sonhar,
Sabia saber...
E agora, sem controle da razão, acordo banhada em suor
A garganta flamejante seca de gritos, ansiosa por morrer

Já tornei de todos os vinhos para enfeitiçar o sono
Queimei-me com quinhentos cafés
Angustiei por dez noites sem cerrar o olho
Chorei as dores em dez cabarés

E hoje sou cinzas da libertinagem,
Zumbi clandestino na realidade
Vago com os olhos semi-cerrados, sem coragem
De dizer adeus a mocidade





E agora que bendita a sorte e desdita a poesia
Louvo o tempo por sentar e me esperar
Beijo este chão de fartas alegrias
E vivo dia e noite a sorrir e a sambar

quinta-feira, 13 de maio de 2010

"Curumim, chama Cunhãtã que eu vou contar"

Dá-me tinta de urucum
Para pintar corpo meu em teu
Dá-me o calor de teu coração nu
Para amolar o que embruteceu

Dança com meu corpo o amor
Me gira e me derruba com paixão
Derrama em meus olhos o ardor
Engole de um gole minha solidão

Ainda que não queira eu o teu
Ainda que fujam de ti meus olhos
Ainda que meu eu, que emudeceu
Não cante mais teus sonhos

Ainda que meu desafinado canto minta
Teus olhos têm o dom de ouvir
E tu de ler minha alma em tinta
E mesmo assim vir
Sabido isso, faça-me um favor?
Ensina-me a graça do sorrir,
Ensina-me a sorrir de amor?

sábado, 8 de maio de 2010

Um brinde à vida

Ah, mas que bela boemia!
Enquanto respirar,
Embebedarei-me nessa linda sinfonia

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quando cantam os lábios da Morte antecipada

De repente, foi fatal
De súbito foi certeza
De um pulo meu peito morreu
E encarei a morte com surpresa

E em todos os olhos eu a vi
Esgueirando-se por entre os corpos
Rindo naquelas bocas tortas,
Eu a vi sorrir

Ah, e aquele meu peito falecido
Sufocado e esmagado e carcomido
Sofria ainda de certeza
Mas não de luto
Sofria ainda pela sanidade
Mas não de medo
Sofria e chorava com meus lábios
Sofria de solidão
Sofria pelo medo de estar só
Sofria pelo medo de meu coração
Que louco e vazio e em pó
Sofria de pavor,
Pavor do não

Ateliê de Idiotas

Pode ser que seja eu
Mas quanto mais enxergo
Mais vejo o breu
Quanto mais reparo
Na vida dos outros
Mais vejo desamparo,
Gritos surdos e roucos
Da falecida Utopia

Celebro aqui a Miopia

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Afago da solidão

Olha lá, que pode sempre acontecer
De o amor
Nas costas do silêncio se esconder

domingo, 2 de maio de 2010

De nada adiantam as flores, suas pétalas me desfloram

Não seja tão cego, amor, não condene meus esquivos
Pois fujo não por orgulho retido
Mas por temer que sua ânsia de ardor
Faça padecer de desgosto meu coração rendido,
E afogar em desventura meus olhos de dor

Pois ao queimarem meu peito as lembranças
De minha pele sendo a sua
De seus olhos, com paixão contida e nua
Amando-me com sincera esperança,

Ao queimarem meu peito, amor
Revejo em meus sonhos suas costas partindo
Estas ensinando-me a graciosidade da dor
E o encanto do amor fingido

Ao sentir meu corpo seu cheiro,
Quedava logo nua de medo
Ao tocarem meus lábios seu sorriso,
Ria meu coração em histérico regozijo
E quando confessavam nossos olhos!
Ah, nessas horas eu era mais que sua
Eu era sua carne, seus poros
Sua alma, sua mente, seu corpo
E minha vida finalmente nua

E minha vida subitamente crua
Quando enxerguei em seu olhar lascivo
Os propósitos de perverso amante
E as mentiras de ator festivo
Que defloraram minha ilusão viciante

Então não ouse condenar-me!
Depois de travestir sua intenção
Não ouse tocar-me!
Negarei sua libidinosa paixão
Pois veja, eu sou amor
E não é de carne que se alimenta o coração

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Os olhos dos outros

Não chore, menina bonita
Se o mundo a quer
Partindo para virar guerreira,
Calçar os pés

Caindo para voltar à beira
Sem mar sequer
Tentando engolir areia
Para virar maré

Ah, linda mulher da vida
Envolve-te em ramos
E entregue sua alma servida
Aos cegos e ciganos

Ah, garota de todos os poucos
De todos os que não te enxergam
Palavra daqueles outros
E dos muitos que te levam

Lave com suas lágrimas o corpo
Molhe seu coração
Ah, velho corpo novo
Seco de solidão

Menina dos olhos pro mundo
Da mente e idéia adunca
Criança de sonho fecundo
Que essa sua vida não acabe nunca

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Pequena palavra para pacatos

Quem não desordena
A liberdade condena

domingo, 4 de abril de 2010

Obscena conveniência

Eu perco os papéis da poesia
Eu esqueço a porta aberta
Eu perco as razões da alegria
Eu morro e morro desperta
Meus passos perdem o chão
Minhas palavras perdem a paixão
Minha mão calejada e calada
Não desenha mais a ilusão
Eu ganho acalentos da azia
Eu encontro olhos de razão
Eu ganho razões pra agonia
Eu sujo meus pés de solidão
Eu deixo minha alma vazia,
Para seus passos encontrarem meu chão

Eu esqueço a porta aberta,
Você entra e entra sem poesia
Eu sorrio e meço a oferta
Eu entrego-me por cortesia

terça-feira, 30 de março de 2010

Sobre tudo o que viveram

Queria um jovem que contassem-lhe uma história
Sobre a alvorada no corpo de amados
Sobre o crepúsculo no coração da memória
E o entardecer na juventude dos soldados

E de tanto o menino insistir,
Um velho após o último copo a tornar
Desatou a como um mercador mentir
Forjando sua vida ali narrar

"Pois se bem o queres, meu rapaz
É bem que seus olhos não saibam chorar
Pois o que vazará de meus lábios
Já matou de ressequido um homem a amar

E se caso te cansar o coração,
Não te retires, não
Pois lhe digo que não é fugindo da miséria
Que arrancarás da carne a solidão

Pois agora que pedistes terá,
O conto que por tempos quis fosse passado
Mas este sempre me encovará
Sufocando-me com o veneno em mim encarcerado

Não! Não é este veneno que de meu olhar jorra,
É outro que minha alma enlevara há incontáveis anos atrás
(Digo incontáveis pois quando jovem não hão horas),
No tempo em que meu vinho era envergado com antraz

Se ainda não sabes sobre o que discurso, caro amigo
É porque nunca sentira no estômago o fogo da paixão
Queimando-lhe as veias e enviesando-lhe o destino
Nunca vira as paredes de teu quarto fecharem de aflição
Nunca tremera embriagando-se com a lembrança de sonhos
Nos que possuia em teu corpo quente o impossível, nos quais ouvia
Uma respiração úmida que sussurava-lhe palavras de desmedido amor
Que permaneciam na mente de forma a torturar-lhe com doentia
E faziam com que a realidade ocorresse com delirante esplendor

Ah, como eram singelos os passos de minha amada
Caminhando como que se pertencesse a esse mundo!
Minha meretriz que fora no pecado atada
Deixando-me da candura desnudo!

Como amei aquele perfume de ervas,
Como traguei aqueles olhos de mar!
Como entreguei-me a fúnebres trevas
Quando minha devoção ela decidiu estirpar

Não que fosse sua culpa! Não!
É que seu ofício não lhe permitia o olhar
E ao matar a lei e minha paixão encontrar
Fora a pobre forçada a entregar a alma à solidão

Pois sendo sua a função de pecar
Não pôde minha amada me ver
E frente ao inviável destino de não a ter
Entenda, não tive outra opção senão comigo a levar

Mas, veja, quando partíamos de volta ao paraíso,
Onde desfrutaríamos do celestial e do impossível,
Deu-se que na falta de maior juízo
Foi ela sem mim, deixando-me nesse inferno atingível

Compreenda-me, rapaz, e sinta com meu corpo
Imagina-te carregando em seus braços o amor
Deitando-se no chão frio teu maior sonho, morto
Diga-me, com verdade, não iria ti dar-lhe calor?

Pois ao vê-la ali na realidade, caída
Não lamberia o senhor também seu sangue?
Só para ter em teus órgãos a divindade escondida?
Imagine tu, lambendo seus salgados lábios,
Lambendo o vermelho em seus dedos,
Amando o que em carne tornaram-se medos
E tocando seus sonhos vários?

Se não te vês é porque nunca a vira
Pois se a visse a teria em carne e odor
Ah, claro! Por sua morte reinara em mim pura ira
Mas serena-me saber que resta em mim seu amor

Pois de sangue minhas mãos não foram lavadas,
Mantenho em meus poros seu seco vestígio
Todos os traços de antiga paixão dilacerada
E toda a perfeição de minha amada mantida com prestígio!

Sinta! Sinta em meus poros o odor dessa paixão!
Não te enojes do amor, meu caro!
Pois é ele minha toda e única razão
E veja bem, morrerei com parte de minha amada em minha mão!

Morrerei em carne, pois minha alma há muito se foi
Está lá com ela, veja, desfrutando de desmedida alegria
E logo a verei, e meus olhos outra vez viverão
Preencherei-me novamente com seu calor,
E viverei, viverei na morte com ressucitado esplendor!"

E sem compreender, fora o rapaz embora
Refletindo sobre o tanto que havia bebido
Temia, inconformado por perder a hora,
Que em casa fosse com um sermão recebido

terça-feira, 23 de março de 2010

Agora que o rancor impera o luto

Se são as mais belas cascatas de mar,
Sua fonte de dor vulgar, que salgam-lhe os poros
Se é pelo teu amor que sangra a garganta ao gritar,
Tema do tremor de teu peito, invisível a meus olhos

Se é pela culpa que vai declarar luto
Cobrir de negro a vergonha de seus atos
Se quando estes me consomem em absoluto
Cobrindo com lamúrias meu amor atado,

Poupe suas escassas gotas de contrição
Salve seus forjados olhares de amor perdido
Guarde com obscena humilhação
Sua depressão e seu discurso já ferido

E quando despencarem desmedidas cataratas de pena,
Assim que estas te banharem com água salgada,
Não me procure por não mais saber dormir
Pois quando de dor o coração bate pela falta
O sangue cessa de correr e os lábios se esquecem de sorrir
E sua esperança a vida mata

E quando acordar com aflição do sonho perdido
Assim que de pesadelos passar a viver
Não me peça de volta o encantamento desmedido
Pois este já não sei mais encenar ou ver

E já não posso perdoar sua calculada cilada
Quando a sangue frio comeu minha carne quente
Pois me esqueci do que era crente,
E de amor, meu amor, já não sei nada

quinta-feira, 11 de março de 2010

Íris

É sensação pura e bruta
É antropofágica selvageria,
É a ânsia de tudo engolir
É a necessidade libidinosa de viver,
É o prazer indecifrável de sorrir
É o grito calado da liberdade,
É o retrato carnal da realidade
É a lamúria dos amantes,
É o riso dos loucos errantes
É o pulso vibrante dos poetas
É o sangue das almas inquietas
É vida escondida,
É a humanindade revelada
É os desejos reprimidos,
É a verdade sufocada,
É transcedência dos sentidos,
É a busca encontrada
É o encontro marcado com a razão
É mundo entalhado em tinta,
É o amor, é a paixão
É todo o corpo que levita
É fascínio com o nada
É existência de um em todos
É permanência de todos em um
É ser a vida ressucitada
É ser comum
É ser você
Com a diferença de saber ver
Com a diferença de pintar o sofrer
Com a diferença de realmente viver

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Anatomia do Encontro

Sem a ternura de seu olhar
Meu coração recusa-se a bater
Meus pés negam o andar,
Minha alma cansa de viver

Depois que minhas mãos tocaram seu corpo,
Depois que minha vida espelhara a sua
Assim que em amor fui absorto
Assim que nossas mentes fizeram-se uma

Minha pele queima em desespero
Meu sangue corre sem vontade
Meu rosto se banha sem esmero
Meus olhos duplicam de idade

O tempo concentra-se na solidão,
Na falta, na dor e na incerteza
Congela-se em inesperada desilusão
E eterniza-se em experiente tristeza

E o tempo dilacera minhas entranhas
Enlouquece meus poros com lembranças,
Pois meu couro ainda sente suas manhas
Meus lábios estão ainda molhados de esperança

Como é carnívoro o amor!
Quando mastiga-me com sadismo
Quando despedaça meu peito com rancor
E devora-me os sorrisos

Como é justa a vingança!
Pois de tantas paixões que neguei,
Deu-se que quando enfim encontro a vida,
Esta afasta-me sem lei
E em silêncio não sou escolhida
Padecendo com o troco dos que fustiguei

É então justa minha miséria,
Justo o roubo do amor
Levastes de mim tudo o que tinha
E deixastes em mim o inédito vazio da dor

Só deixe-me, com o mínimo de compaixão,
Amar por último sua perfeição
Tocar seu último sorrir
Só para viver com gratidão
Por um dia poder rir,
Quando tive sua paixão

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

As ervas dos olhos

Agora que minha mente se encontra dentre as entranhas do mundo
Enquanto meus olhos rezam com o corpo
Agora que meu delírio queda mudo
Enquanto meu coração declara-se morto

Enquanto a vida passa-me em segredo
Agora que o espaço devora meus tímpanos
Meus pés afligem com medo
E nesse solo convertem-se, oblíquos

Ah, luz do amanhã ecoando em meus suspiros,
Ilusão coando minha esperança
Os ecos do passado contorcendo-se em risos
E o sangue se queimando com esperança

Ah, as veias jorrando em flamas
Os objetos sussurando-me mantras
Meus desejos em outras camas
Minhas intenções fingindo-se santas

Que venham da terra as brisas
Preencherem meu fôlego com cantos
Que venham as ciganas, as saídas!
Exorcizando meus medos humanos

Que venham os índios testarem-me com liberdade!
Suas cordas alucinarem meus membros
A raça animal da verdade
A verdade incondicional dos desatentos

Que venham os segredos obscuros
A loucura dos amantes,
As proezas e os infortúnios
Derramando em minha pele o calor dos errantes!

Mergulhe em mim, juventude!
Mostre-me os passos dos regojizos
Leve de mim o anseio das virtudes
Leve de mim a razão, os juízos!

Sou sua, meus cabelos, meus nomes, minha verdade
Entrego-lhe a culpa, o medo e a razão
Quero navegar atada à irresponsabilidade
Quero afundar afogada de paixão!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Ato 1 - L'arrivé

Dançando breve em minhas veias,
Furtando meus versos,
Meus sorrisos
Já dispersos

Rasgando-me e costurando-me,
Com linhas de um sonho
Aquecendo-me e torturando-me,
E partindo risonho

Tirando-me os versos e as certezas e as emoções
E cortando-me em talhos
E se embebedando de meus perdões
E atirando-me ao espelho,
Fazendo-me encarar os retalhos
Do que foi tomado inteiro
Do que nunca foi amado

Sou meu passado queimado,
Meu futuro exagerado,
Inexistente,
Inconsciente

Sou meus desejos confusos,
Minhas palavras forçadas,
Meu corpo quente,
Suas mãos cansadas

Sou nada
Sou o espelho
Sou o que você não quis
Sou o que dou
Apesar de não dar nada
Além de um ato de atriz

domingo, 17 de janeiro de 2010

Perdão pelo atraso do amor

As calças largadas, as meias furadas, a dor apartada,
Os olhos nela
Moça singela,
Os olhos caídos, os braços subnutridos, os dentes ressentidos

A vista de terra, as pegadas da guerra, a vida sem terra
Os olhos nela,
Suor e sequela
O sol de sertão, as palavras na mão, a esperança na solidão

Ele a viu
E de súbito seu corpo parara
A boca da fome selara
As mãos lânguidas dançaram
A boca rachada estreara um sorriso
O menino de ossos chorava gotas secas de regojizo

Ele a seguiu
Os passos fracos na contramão
As palavras na mente em distorção
O peito ardendo com o toque da mão
Os lábios balbuciando com a falta da razão
Os grunhidos indecifráveis de paixão
E o golpe seco da desilusão

Ele fugiu
Os passos se quebrando
Os ossos falhando
A fome estourando
Os pêlos derretendo
O estômago se comendo
A alma adormecendo
As pálpebras caindo
Os ouvidos com um zumbido
Uns gritos expandindo
Uns dedos lhe furando
E a mão o acalentando
As unhas o cortando
E um beijo sem jeito
No rosto satisfeito
O amor mal-feito
Levando o corpo caído
Tombado, desligado
O corpo traído,
Morto de amado

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Sobre suas costas

Que a ausência me despertou
Que o inviável me emudeceu
Que o úmido de meus cílios
Que não notastes meus suplícios
Que em prantos não me vistes
Que minha alma que despistes
Largou-se no tempo que vinha
Ficou no tempo de tua falsa companhia

Quando rasguei minha garganta com amor
Quando sem pena desviastes o ardor
Quando sem passos dançou
Quando sem braços me empurrou
Quando sem aviso me viu
Quando sem lábios me sorriu
Quando com receio me fugi
Quando sem anseios me entregou
As chaves do quarto em que dormia
As chaves de meu corpo que se abria

Agora que de nosso amor resta a ilusão
De nossa dança sobra a canção
Agora que teus olhos de minha mão escorrem
De meus braços teus passos fogem
Agora que depois de encontrado
Desvanece meu amor dilacerado
Agora que carecem-me os verbos
Solidários aos erros certos
Agora que quedo trinta antes do futuro
Com o destino preso no passado infortúnio

Que das ilusões nasçam outros tus
Outros milhares de teus corpos nus
Para morrer-me em deleite absoluto
Em teu arisco corpo que furto
E que dure agora e eternamente
Neste passado desgraçado e descrente
Em meu ventre rasgado e em teus lábios quentes
A insustentável mentira da gente
Que em sinfonia furtou minha negligente mente
Que abandonou-me em distância impertinente
E que, muito infelizmente,
É invariavelmente permanente

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Breu

Meus olhos vendados
Surdos pelos sonhos
Quando subitamente acalentados
Por teus lábios risonhos

Meus olhos úmidos
Golpeados pelas lembranças
De romances súbitos
Da dança de crianças

Meus olhos quebrados
Pela certeza da solidão
Quando sedados pela dor
Pela saudade de seu coração

Meus olhos falecidos
Fatigados de tanto roer
Roer minha alma já vencida
Pelo medo de sofrer

Meu corpo chorando em luto
Afogado na correnteza das lágrimas
Acorrentado em rancor absoluto
Rouco de gemidos e lástimas

Meu eu calado e desnudo
Caído em chão de fotos
Memórias de um coração mudo
Desejos reprimidos em olhares devotos

Suspire em meu ouvido
Com a paciência do amor
Diga-me num grunhido
Enquanto calo em ardor

Conte-me sem sentir
Agora que sua mente já padeceu
Grite-me sem pressentir
O que seu sorriso já esqueceu

Se suplícios não lhe bastarem
Se minhas juras não lhe agradarem mais
Tenha minha alma novamente nua
Pois de dúvida meu sangue jaz

Se meu corpo, outrora razão de seu viver
Agora com repugnância não queres tocar
Dou-lhe as palavras que eu não quis dizer
Face ao erro de para sempre te amar

E se ainda assim não se der por satisfeito
Rogo-lhe com o rosto encharcado de paixão
Rendo-me ao meu medo, meu defeito
E juro conceder-lhe perdão

Apenas conte-me, ao meu aberto peito
Se nas vísceras daquele tempo que passou
Teu lascivo olhar de proveito
Em algum momento me amou

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Mal-Estar na Ilusão

Não há preza que apresse a prece
Naquele culto de corpo e canto
O hino que a mente emudece
O grito que faz do homem o santo

Vem a batida de fé no peito
O rito da ilusão nos pés
Que presos e sem jeito
Querem fugir de viés

Sobe no sangue a razão
O erro rasgando a garganta
Empurrando pela boca o coração
Arrancando da alma uma santa

Maria de olhos vendados
Prendeu minha mente ao chão
Crentes de corpos fechados
Morreram ao beber a ilusão

O Diabo sentado aos risos
Descendo com o mato pelas goelas
Para os que crêem, regozijos
Para os que vêem, as sequelas

Deram-me forças, deram-me
O peito para a razão
Deram-me olhos, deram-me
O espelho da putrefação

Que seja esse delírio coletivo, então
Os passos de sua fuga
Que corra até a morte, em vão
Pois é o amor a real cura

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Oração a Santa Cruz

Esses dias descobri um canto
Meu canto, tão leve
Foi encontrado em meio ao pranto
De uma solidão breve

Em meu canto pus meus cantos
Cantos de desejos e ilusões
Nele meu descanso,
Tornou-se a razão de minhas paixões

E agora é meio estranho,
Como se o mundo não me coubesse
Quando saio nem me encanto
Com o real que me transparece

Na rua perguntam-me quem sou
Mas ora, como hei de saber?
Se sendo me descubro,
Mas não antes de morrer
Irei-me com o segredo no túmulo
E por isso irei sem ser?

Quando nua perguntam-me pra onde vou
Mas veja, que graça há em saber?
Se indo assim no descuido,
Vagueando na escuridão do sem-ver
Irei sem olhos prum futuro
Que já era certo de ser

Se lhe perguntarem pra onde ir,
Diga que já fui por aí,
Que não volto pra realidade
Sem antes sentir saudades da dor
Que não volto à sanidade
Sem antes desvirtuar o pudor

Pois não é me vendo que me enxergam
Não é minha carne minha verdade
Minha alma que postergam
Não passa duma calamidade

Afinal sou minha vontade,
Não o que de minha vontade fizeram

Sobre as cores, dores e amores

Regardez, les jeunes
La bleunesse de mon coeur
Alors que ma douleur
Est devenue jaune!

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Ma France

Vou-me embora
Deixando essa vida para trás
Não posso chorar agora
A alegria foi tão fugaz

Adeus às lembranças e aos amores
Adeus à criança que já não sou mais
Bebi do amor, vomitei as dores
Conheci a solidão que agora jaz

Vou-me embora, vou-me agora
O tempo já não resiste mais
Vou-me embora, já é hora
Meu amor o tempo refaz

26/06/08

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Brincadeiras de Roda

Veio o ladrão de olhares
Tirar meus pés do chão
Veio com pesares
Ensinando-me a a ilusão

Arrancou minha pele dos ossos
Máscara da imperfeição
Fez de seus olhos mortos
A cura de minha razão

Veio o sonho de infância
Dar-me a mão
Trocar olhos de petulância
E ir-se em vão

Lhe faltou o toque
Lhe prometi o amor
Lhe dei a tristeza
Para evitar a dor

Sigo cambaleante
Sem direção
Sem forças
Para a paixão
Sigo dançante
Na contramão
Com forças
Para a ilusão

Que sem sonhos na mão
Morro assim,
O corpo erguido
e a alma no chão.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A punição da culpa pelo tempo mal-vivido

A, quem me dera se esses passos falhos
Guiassem minha marcha à ilusão
Despindo meu coração em talhos
Saciando a sede de minha razão

Quem me dera livrar-me dos modos
Permitir a cegueira do desejo
O apetite que vaza de meus olhos
Encarcerado no amor que versejo

Não fosse a mente encabulada,
Tirana maldita!
Não fosse a língua acanhada,
Parva aflita!

Meus lábios sorririam com glória,
Meu peito com gratidão
Seria minha paixão liberatória
Que arrancaria o medo da desilusão

Meu corpo tornando-se a pele de quem nunca se ouviu
Nossos olhos desnudando a paixão
Meu riso salvo doutro canto vil
Minha alma rindo face à fabulação

A, quem me dera o almejo do tempo
Para mudar aquele instante condenável
Quando neguei-lhe com acanhamento
Esse sonho agora friável

Quem me dera, meu amor
Poder tocar-lhe o rosto
Apagar de meu peito antiga dor,
Esse rancor imposto
Descobrir seu olhar que me segue
E viver enfim,
Viver de alma entregue

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um velho chamado Paixão

Rugiam os passos do velho manco
Suas pernas tortas tateando na solidão
Seus olhos mortos molhados por encanto
E sua alma crua exalando podridão

Sedento de risos e roçadas
Em busca do álcool e da velha fumaça
Perambulava vadio por lembranças inventadas,
O velho que chamara a morte por pirraça

Era caolho e perdera os dentes
Antigo pirata de amor roubado
Afogou-se em prata e sonhos reluzentes
Querendo falecer de falsos pecados

Com o tempo engasgado em sua alma,
Embriagado pelo ciclo da eternidade
O marujo carcomia com calma
Os sonhos da irreverente mocidade

E o velho hoje preso ao chão de paz
Carrega em suas trêmulas mãos lânguidas
Os ossos do amor que jaz
Cantando com atraso a verdade cândida

"Se assim vivendo
Tanto anseio morrer
Imagine morrendo
O quanto irei viver!"

E agora
Correm os pés do velho manco
E sem hora
Suas pernas tortas abandonam o destino
E agora
Seus olhos vivos encontram o encanto
E sem demora
Ele parte com tiro repentino
E chora
Partindo sem melódica memória
E implora
Para lembrar do sonho seu
Mas sem glória
Parte o velho e sua história
Sem lembrar-se que morreu

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Je porte le monde dans mon ventre

De tanto beber os outros
Acabei por embriagar-me
Tornando-me todos
Dans un corps de larmes

Virei suas angústias
Provei seus amores
Vomitei suas injúrias
Engoli seus impudores

Tenho o mundo em mim
Os homens e os sonhos
C'est vous que je suis,
E suas almas que componho

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Engulo o que vomito

Extirparam de meu sangue os verbos
Minhas palavras, tão suas
Escorrem tão impuras, não mais nuas
Demonizadas por insultos cegos

As labaredas da poesia esfriam
Acompanhando seus passos tão humanos,
Puros, malditos; e me evitam
Abandonando a brasa cálida de meu canto cigano

Isenta da culpa por injusta insensatez
Sua indiferença invocou minha ranzina razão
Por incontroversa paixão e incontida estupidez
Sufocou minha mente e perdeu a honra do perdão

E meu corpo que outrora fervera por suas sóbrias promessas
Agora falece na falta de seus olhos cândidos
De seu toque morno em meu sono desperto,
Seus lábios moles em minha força lânguida,
Seu riso impuro em meu peito aberto,
Seu canto a desvirtuar-me sem pudor
Com a inocência do imprudente, incerto
e prometido amor

E você, que estacou meu temido tempo!
Sem som largou-me nessa lógica solidão, tão manjada
E eu que me via acostumada,
Sem saber que não se almeja a sinceridade da ilusão

E você, que libertou meu tormento virulento!
Há tanto prisioneiro da perfeição
Fez de meu corpo um poço de consentimento
E obrigou-me a contentar-me com insuportável suposição

Pois faça de mim aquela que deseja
Agora que já não pertenço a sua perdição
Serei ela: seu corpo, seu sorriso, sua certeza
Pois de mim só resta a carcaça oca da desilusão

Pois sou sua, não mais que minha
E a intensidade que te pertenço
Equivale ao exagero da poesia
E à dor que dispenso

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A trabalhar

Eu vou pra festa do Chacal
Fazer da vida um bacanal,
Uma orgia de paixões sem fim
Enlouquecer o anjo Querubim
Vou viver assim, sem caminho
Seguindo o destino pelo qual definho
Por prazer, revolta e vício
Vivo e morro,
Voltando sempre ao início

sábado, 3 de outubro de 2009

Um bosque chamado desamparo

Como puderam teus olhos de vidro
Ao me amarem, despencarem em solidão?
Seus cacos rasgando-me em castigo,
Um deles perfurou meu coração

Desses cacos fez-se esta rua
Ladrilhada com diamantes de sangue
Donde agora padece minha alma crua
Enterrada ao fim, num bosque sem nome

E o anjo que por tempos me amara
Que nu de mim, fizera-me me entregar
Agora estende os braços com tara
E sem olhos rouba-me o olhar

Cega, cedo à loucura
Ao vício e aos sonhos risonhos
Morta, mato a ternura
E vivo de esperanças que indisponho

Mas desses cantos bisonhos
Nenhum fez-me enxergar
Pois continuo amando o anjo
Que por medo não soube me amar

terça-feira, 29 de setembro de 2009

La parole à la Paresse

De quem é a culpa por meu pranto?

Culpa minha, que corto o encanto

E calo teus impulsos de ardor

De quem é a voz que me desvenda?

É a do mundo, de rouquidão horrenda

Que rotula teu impudor

E este som que me desvaira a carne?

É a vida que lhe passa cheia de charme

E promessas de amor

E esse cheiro de solidão que exalo?

É o perfume da rosa que apunhalo

Para encher-te de calor

Mas que desgraça ter a graça roubada por teu desgosto!

Não é a graça que lhe é tomada, mas bem o oposto

Pois de vadiagem morre a Dor.

Então a libertinagem salvou-me da desgraça?

Minha cara,

Tua alma devassa calou com cachaça todo e qualquer rancor

Mas fadou-te a beber do amor

E engasgar-te na fumaça

De tua própria trapaça,

Morrendo no pico do esplendor

Mas sem nunca degustar da calmaria,

Do mar em terra fria;

Viverá apenas de morte contínua

Renascendo a cada dia para a quebra da rotina

Minha querida,

A libertinagem fadou-te a morrer de alegria!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Quando mentem os poetas

Já se foi o tempo de ternura e tentação
De beleza e inspiração

O tempo de sofrer por assassino amor
De chorar por querer a dor

Tempo em que a razão não me impedia
De amar quem me agredia

Tempo em que o pecado era desejado com atraso
E o afeto então abortado

Deste tempo nada restou além da cicatriz
Deste sonho digno de casta meretriz

Deste tempo vejo a candidez se esvaindo
Meus versos morrendo e meu coração fingindo

E agora o que escorre de meus lábios é a podridão
Meu hálito mefítico de pecado e desilusão

Agora o tempo pára para apagar minha dor
Reduzi-la a uma lembrança sem valor

O tempo pára para me dizer
Que amar não é apenas sofrer
Tampouco esquecer
Ou aceitar
Renegar,
Mas gritar
E lutar
Por seu querer

Então veja só!
Todos estes anos de falso amor
Minha saliva restringiu-se ao impudor
Meus lábios cerrados
Meus atos acalentados
Por aqueles por quem sonhei
Aqueles que nunca de fato amei

domingo, 27 de setembro de 2009

As 130 primaveras

Se as flores, as rosas
Não fossem assim tão venenosas
Quem sabe não teria minha mente uma chance
De aceitar enfim qualquer romance

Se não levassem tantas primaveras
Para ter meu corpo junto ao seu
Quem sabe minhas lembranças não quedariam velhas
E eu ainda seria aquele "eu"

Se meus sonhos forem a esperança
De relevar então um mar
Quem sabe eu volte enfim à dança
E possa por último sanar

Quem sabe com teu corpo
Me volte a real poesia
Pois saiba que mesmo morto
É o amor minha única alegria

...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A verdade é que minto

Por noites tentei admitir
A alma que me vem no carnaval
Tentei sem êxito fingir
Que essa dor não passa duma ânsia carnal

Por dias quedei a ouvir
Que tenho predestinado um futuro individual
Que a leviandade de meu agir
Me condenará à solidão liberal

Mas digo logo e digo breve
Quanto maior for meu ímpeto libertino
Mais estarei entregue
Ao amor genuíno

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Que maravilha!

Quando provo de teu sabor, ai amor,
Sinto flores brotando em meu peito
Seus espinhos encravando em meu futuro
E meu sonho se tornando meu maior defeito
Por guiar-me nua no escuro

Quando me apego a teu calor, ai amor,
Sinto palhaços alegrando meu corpo
Sinto minha carne solta, entregue a todas as outras
E meus seios rindo de meu rumo torto
Vestidos por tuas leis frouxas

Mas quando deixo seu corpo, ai amor,

Sinto a percussão de tambores passados
Já então esquecidos por minha alma rendida
Ao domínio de homens domesticados,
Anjos de verdades acudidas

Ausente de amor, ai amor,

Vejo a pornografia de meus olhares
Cedidos à carência humana
Vejo a vida em todos os lugares
Embaçada por minha visão mundana

Carente de amor, ai amor,

Vejo a indesejável realidade
Só vejo a desgraça, só a desilusão
E mesmo louvada por minha libertina idade
Sua falta desatou o nó da solidão

Sem teu amor, ai amor,

Me escondo nesse canto,
E retorno à minha ingênua infância
Iludida, me encanto
Com qualquer cândida esperança
Indiferente a dor,
Sou só uma criança,
Sou só uma criança,
Ai, que bom ser criança
E não sofrer por amor

Não sei se é azar
Ou benção
Mas não sofro por amar
Só por ilusão

A incompreensibilidade da mente (ou sua evidente estupidez)

1 É engraçado quando a vida me canta: Aproveite a alforria e viva da boêmia euforia
2 Engraçado porque já perdi minha cabeça,
3 A esqueci na estação de trem
4 Quando vi meu amor passar sem alegria
Decidi viver da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões.
4 Quando vi meu amor passar com indiferença
3 Lembrei-me dum passado que me convém-
2 Entediante, porque já encontrei minha pressa,
1 É entediante quando o rádio me canta: Obedeça a tirania e morra de maquinária covardia

sábado, 19 de setembro de 2009

A feiura está no amor

Posso o mundo benzer
Posso fazer chover
Posso a miséria combater
Posso o futuro predizer

Posso fazer-me bela
Posso deixar-lhe sequela
Posso tornar-me singela
Posso virar a donzela

Posso pertencer ao mundo
Posso tornar-me bixo imundo
Posso ser vagabundo
Posso ser rato iracundo

Posso até voar
Posso fingir dançar
Posso domar o mar
Posso a morte evitar

Posso andar nua
Posso ser da rua
Posso roubar a lua
Posso virar perua

Posso tudo que posso só para ser sua

Um poema ruim às vezes faz bem

Não é preciso ser ator
Para fingir a vida

Não é preciso ler Goethe
Para morrer de amor

Não é preciso tudo negar
Para acreditar na paz

Não é preciso ódio
Para aliviar a dor

Não é preciso Marx
Para negar o sistema

Não é preciso a anarquia
Para almejar a liberdade

Não é preciso ser covarde
Para fugir do tempo

Não é preciso chicote
Para fustigar a mente

Só é preciso nessa vida errante
Sacrificar o próprio corpo
Em prol da liberdade narcotizante

Ou seja,

Dane-se tudo, seja você seu mundo:
Ame sem poder, sem saber e sem querer
Faça o que quiser
A polícia é pouco para a alma
As regras são nulas frente ao viver
Viva, viva, viva, viva
Escreva o que quiser
Escreva pra você
Os outros são nada frente ao morrer
Leve em seu caixão um sorriso na mão
E álcool no coração
E viva, coma a vida
Vire a vida
Morra de vida!

domingo, 13 de setembro de 2009

Mulheres da vida (Inacabado)

Lisbela riu das pernas tortas de Mário
Zombou das rimas mortas de solidão
Sorriu para seus sonhos de escárnio
E decidiu ceder finalmente à paixão

Carla quis caçar o corpo de Caio
Encapetada pelo prazer visceral
Ardeu quando tocou seu lábio
E decidiu viver de satisfação carnal

Emília entregou-se a um homem sem nome
Movida por um desejo perverso
Descobriu-se amante de Ivone
E amou o sexo ao inverso

Carolina viveu para Ricardo
Espancada e dilacerada por falso ardor
Logo livrou-se do maldito fardo
Para nunca mais gozar com amor

Lolita dividiu sua solidão com Oscar
Acostumando-se com sua inigualável perfeição
Mas entre os dois ficou o mar
E ela agora vive de ordinária paixão

Leila há muito amou Giraldo
E este muitas outras amou
Até o dia em que, irada,
Leila com dois tiros se vingou

Joana suou ao sorrir do jovem Sandro
Ficou dias a delirar com sua puberdade
E ao finalmente realizar seu plano malandro
Foi presa por roubar-lhe a virgindade

Maria perdeu para o mundo seu homem
Por duendes e unicórnios foi levado
Pois garoto no mato vira lobisomem
E mulher na sobriedade é pecado


Outras virão.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Para os fantasmas andantes

Meus pêsames para os que temem a subversão,
vulgo lucidez
vulgo liberdade
Para os que temem o amor,
vulgo insensatez
vulgo insanidade
Para os que temem a paz,
vulgo candidez
vulgo igualdade
Para os que temem a simplicidade,
Para os que temem a ida,
A volta;
Para os que temem a derrota,
Para os que temem a revolta,
A paixão;
Para os que temem o exagero,
Para os que temem o excesso,
A ilusão;
Para os que temem a ação proibida,
Para os que temem a transgressão indevida,

Para os que temem, enfim, a vida;
Meus pêsames.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Meu fim por esses belos pecados

Isso que controla minhas mãos
Tornando-me animal de escárnio,
Esse bicho inglório
Carente de razão

Isso que me define capaz
Num momento de ingrata euforia
Tornar-me capataz
De minha própria alegria

Isso que esclarece meu viver
Que faz de mim meu títere
Empurrando-me no passo do querer
Fazendo do mundo minha síntese

Isso que planta em meu peito a ventura
De saltar nas incertezas
De rir com pura ternura
Mas fazendo de mim, hélas, ingrata burguesa

Isso (que canta em mim), a libertinagem
Faz de tantos erros minha glória
Lota meu corpo e coração de vadiagem
E faz do amor a verdade simbólica

Verdade que infiltrará em meu sangue
Penetrará por todos orifícios
Até que minha carne se zangue
E rebente por suplício

A paixão voará então pelos ares
Afastando de cada homem os males
Deixando-me no mundo como mártir,

Meu corpo explodido de amor
O sangue jorrando amor
Meus olhos, mortos de amor
Minha vida, morta por amor

Ai, quem me dera tão honrosa dor!

sábado, 5 de setembro de 2009

D'accord

En fait, c'est mieux comme ça
Mes larmes ne seront pas de sang
En fait, c'est bien que tu ne m'aime pas
Ma colère ne durera pas longtemps

Laisse moi partir, ne t'en fait pas
Ma désilusion va prend soin de moi
Laisse moi sourrir, je ne t'aime plus
Même si je t'aime pour toujours




Mais c'est bien, j'y vais
Si tu ne m'aimerais jamais.

domingo, 30 de agosto de 2009

Álcool e alma- só outro pretexto para sambar

vem, pão e vinho
abastecer o vazio
de meu saber
gira, vira o mundo
traz o homem moribundo
pra me querer
cai, vomita e tira
essa bizarria
dentro do meu ser
vai, mas traz de volta
essa alegria e revolta
do meu viver.
olha, me leve contigo
e leve consigo
meu jovem amor
olha, não ligue pro falso,
meu singelo e descalço,
inusitado amor
vem, me pega e me leva
me gira e se entrega
vem perder o pudor
vai, suma e consuma
doutra nova alguma
mas traz de volta o ardor
pois veja, mesmo assim rochoso
meu coração indecoroso
quer pulsar por teu calor
pois sinta, por minhas veias ébrias
correm todas as misérias
e júbilos desse bisonho amor
mas por favor, não deixe
que esse galanteio
vire esquecido recreio
só agora, não desleixe
ponha teu amor em meu seio
(pois sem teu sabor, vagueio)
até onde o tempo nos leve,
sem que a rotina nos supere
e a paixão desvaneça
e o fim nos apeteça
e leve meu amor, ai
e leve meu enganoso amor

domingo, 23 de agosto de 2009

Tripalho

Amanhã verei o samba chegar
O amor balançar
E a platéia sorrir

Ontem vi a dor se afogar
O patrão se matar
E a miséria sumir

Mas hoje acordei dum sonho, ofegante
Recitei a verdade narcotizante
Para alguém comigo acordar

Mas se agora os cegos andantes
Marcham o hino, ignorantes
Como eles hão de se indignar?

Se esses animais transcedentes
Fadados à cegueira imanente
Morrerão sem ver,
Quem há de humanizá-los?

Esses macacos domados,
Quem há de salvá-los
Do sistema inexorável?
Da rotina intragável?

Pois sendo pródigos em esquecer
Ao enxergarem sem ver
Cederão à cômoda cegueira,
Permanecendo na estupidez mundana,
Na insensatez derradeira,
Na eternidade profana

Pois prezando assim a solidão
Dando à divindade toda a razão
Vivendo assim na superficialidade
Banalizando a real idade

Morrerão todos sem ver
Vendo o que os olhos rotinizaram
Acreditando no que os olhos ofuscaram
Viverão numa eterna leprosaria
E os olhos lhes negando a verdadeira alegria

Os olhos! Os órgãos!
Negarão todo o saber
Nos afogarão em hediondo sofrer
Pois não é sempre que ao fixarmos o espelho
Podemos nos ver

domingo, 16 de agosto de 2009

Nós, saltimbancos

Será que jamais perceberemos
Que é a vaidade que nos iguala
E a humildade que nos distingue?

Ânsias sandias

Quero a diferença
Prezo a bizarria
Quando a mediocridade anuvia o talento
Quando a eternidade dura um dia


Morrerei de primorosa overdose
Despojada de regras
Condenada pela cirrose
Iludida com um amor piegas
Embriagada de erotismo humano
Satisfeita com o prazer vicioso
Descobrirei o sexo de um anjo
Aceitarei o afeto indecoroso,
O afago inebriante
Viverei da sedução etérea
Viverei o instante
Navegarei com a intuição
Neste mar sem fim ou limite
E
Ao invés de reformar a paixão
Esperarei que ela ressuscite
Preencha meus seios
Toque minha pele
Roce em minha mente
E serão os mais puros devaneios
Que farão com que eu enfim me entregue
A todos esses anseios


E acordarei enfim dum sonho
Que durou 18 anos inteiros

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Sobre o óbvio ululante

Sobre a juventude, analiso:
Ou temos sorriso,
Ou juízo.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Revés conveniente

Minhas mãos nuas nada portam além da humildade
Não carrego armas, mas modestos versos
Como os vê nobres? Eles se banham na vulgaridade
Se cobrem de miserável simplicidade
E para enganar minha dor
Camuflam-se em serena histeria
Para fingir o amor
Afagam-me com agradáveis bizarrias
Ai, lamentam em meus ouvidos uma perda
Uma perda, em minha mente, inexistente
Mas que fez de meu coração
Esse órgão veemente, delinqüente
E é tudo incoerente
A dor se esconde em meu intestino revirado
Dilacerado por promessas fantásticas
Ai, de tão pura fantasia
Meu saber já rasgado
Acreditou noutra compania
E eu aqui, arregaçado
Choro por tão cruel idolatria
Choro pela peça de minha mente
Que marota, recitou uma paixão
Que só tocou um coração
Mas que por florescente troca
Abriu esses meu olhos
Pra mais nova ilusão

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Curto lembrete

Essa vida de rimas
Me fez acreditar
Que agora dançando
Aprenderei a amar

Para Carolina

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Estava implícito

Ora, minha poesia é a dança da mentira
Do exagero, do falso desespero
Não passa da afeição
Por lograr o coração

Portanto não se preocupe,
Pois minha mente é calúnia
Meus versos oblíquos
São forjadas petúnias

Meu corpo se inunda em paixão
Minha pele exala amor
Não creio na razão
Mas de tanto temer a solidão
Minhas mãos teimam na ilusão
De entulhar-me com falsa dor

Nunca cedi ao hábito condicional
Nunca pensei antes de atuar
Nunca neguei um apaixonado olhar
Nunca restringi-me ao pecado carnal
Vivi ousando, recitando a ventura
De ser livre, animal

Portanto não se inquiete,
Por trás das rimas de amargura
Há uma criança já entregue
À nostalgia delirante do amor irracional,
Incondicional, encravado em minhas entranhas
Correndo em meu sangue morno
E subindo-me à cabeça, levando-me à loucura delinqüente
De viver da paixão, e dela somente

domingo, 12 de julho de 2009

Tango de Lola

Deito-me num leito de palavras
Umas certas demais
Outras, excessivamente malogradas
Banho-me em lágrimas solitárias
Ainda que unidas no embrião
Rolam em minha pele, solidárias
Afogando minha solidão
Observo-me num reflexo sorridente
Mas minha mente não se mira na mentira
Sabe de meu contentamento descontente
Em ver na distorção uma alegria safira
Recordo-me de noites lancinantes
Dos pecados e pecadores
Das promessas murmurantes
Dos olhares embriagadores
Dos tocares palpitantes
Dos suspiros provocadores
Dos gemidos ofegantes
Dos momentos gozadores
Dos minutos restantes
Do sorrir dos consumidores
Os triunfantes, os simpatizantes
Os administradores, os pintores
Os tolerantes, os repugnantes
Os sofredores, os saqueadores
Os traficantes, os humilhantes
Os agressores, os pagadores
Nenhum apagou minhas dores
Ou pagou meu orgulho vacilante
Hoje perguntaram-me sobre o amor
Mas de tantos amantes
Restou em meu corpo somente o temor
De outras noites luxuriantes

Toscos anseios

Atuo o ato do torto temível
Da descrença do destemido
Do amor amargo e amolecido
Vivo vendo o viver vencido
Pelo pressuposto da paixão
Que quebrou cada quimera
De cada cansado coração
E essa exorbitante emoção
Preenche meu peito
De inviável ilusão

Delírios dispersos

E por nunca me entregar
Fui condenada a ser minha
E ainda que o espelho me sorria
Amor não há
Sem qualquer idolatria

Minha ilusão já me tomou a certeza
Mas que alegria! Jamais quis a pureza
Da absolutamente estável razão
Quero mais a insensatez, a aventura
A imprudência, a loucura!

Dizem por aí
Que amar é se entregar
Cantam por lá
Que amar é se enjaular
Digo por aqui
Se submeter a um é aceitar a decrepidez do coração
É se sujeitar
A viver sem a esperança e a ilusão
É renegar
O amor de todos, animal
Do natural se esquecer
É, por fim, trucidar
A verdadeira essência do ser


E pela relutância de minha mente em se entregar
Decido logo que mesmo atentando,
Enraizando meu coração na razão
Deixarei para depois o tango
De esmera e pura paixão

Para agora, digo logo
Não darei a mão ao vento
Ao incomutável presente
Frente a solidão, alento
Pois da libertinagem se exclui o amor impertinente

terça-feira, 7 de julho de 2009

À jactância de todos os homens

Se de minhas calúnias
Fogem teus sorrisos,
Se de minha fúria,
Surgem teus motivos

Cale-me logo, antes que me emudeça
Já que fora tão sincera minha pureza
Diga-me qual minha certeza
Já que é tão clara minha transparência

Se outros olhos despem minha alma
Quem há de ver a calma
De meus falsos suspiros,
Agora que com o tempo iro?

Se de minha dor vazasse a verdade
Se meu corpo aclamasse meus atos
Se da vida restasse a sinceridade
Se não existissem amores caricatos

Saiba que sobreviveriam os incertos delírios
As incertas rimas rogariam com solidão
E por meticulosa vaidade
Incitariam espontâneos suspiros
De deleitosa e terna ilusão

Mas se em meus sonhos não se manifestasse
A molesta, ainda que inevitável dor
Veja, minha mente jamais provaria do amor!
Pois sem o pesar não vejo a ventura
Sem o gelo não fervo com calor
Meu corpo não amolece sem a amargura
De outra inviável boca de ardor

Descubra-me.

Minha foto
Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões