domingo, 24 de outubro de 2010

Sonhos

Andava Anita de corpo curvado
No peito as mazelas do sonho furtado...
Como queria eu sua dor furtar
E virar filho de rei  para em seu olhar reinar

Aqueles olhos de calma castanha
De serenidade subversiva, de terra abatida
De brasa contida, de cândida manha
De paixão ressentida em minha cama

O nariz de feitio divino
Aspirava meu coração desmazelado
Guardava em seus pêlos meninos
Meu suor de amante agoniado

Sobre seus lábios não me atrevo discursar
As rimas seriam ofensas, os versos chagas
Pois nunca a carne fora o próprio amar
A não ser naquela rubra fenda de mágoas

Em seu pescoço o odor da solidão
Em seus seios o berço de meus beijos
Em seu ventre minha lânguida ilusão
Em suas pernas meus roxos anseios

E em seu espancado coração
O vazio transbordando minha ausência
O vicioso afago de meus perdões
E de minha louvável clemência

Pois vivia Anita de suplícios
De pecados urrados em silêncio
De orgias, banquetes e vícios
Toda a luxúria em sonhos imensos

E eu a flagrava à noite a dormir
Com o perfume úmido do desejo
Seu corpo em espasmos a sorrir
Seus olhos brilhando em lampejos

E eu morria a cada luar desgraçado
Assistia à fuga do Sol em depressão
Rezava em canto desatinado
Para que corresse o dia sem escuridão

Até que conformado com minha mortalidade
Cedi a meus anseios humanos
Esqueci-me de nossa santíssima divindade
E entreguei-me aos torpes e profanos

Não fossem os venenos da fraqueza
Da cachaça singela, da injeção e da erva
Ainda seria eu membro notório da nobreza
Eu, filho de rei e amante da donzela
Hoje a sete palmos do chão,
Mas para sempre viva em meu coração

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Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões