sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Prólogo

Comecemos pelo protagonista, trataremos do espaço e do tempo posteriormente.
Juan Dios era um sujeito peculiar, como afirmavam as numerosas bocas intriguistas do vilarejo onde morava. "Dizem por essas bandas que mora naquela casa a encarnação de toda miséria e desgraça existente nas almas pecadoras. Toda a misantropia do mundo nas costas de um único homem, a quem chamamos de Dom Juan. O diabo encarnado num corpo abençoado, possui os olhos mais doces que o puro mel, a voz tão melíflua que penetra como uma canção em nossos ouvidos. Mas creio que aquele pobre homem deixou sua alma vazar por suas lágrimas. Daria o mundo para saber por quem aquela criatura tanto derrama tristeza. Por Deus, daria o universo para ser eu o motivo de sua melancolia. Se apenas todo o ouro que possui pudesse comprar-lhe um sorriso..." é o que contou uma velha senhora, de olhar decrépito e jeito senil. Ela não era a única a palpitar sobre nosso misterioso protagonista. As intrigas eram tantas que ele acabou por tornar-se uma lenda, a qual todos pensavam conhecer perfeitamente.

A verdade é que pessoa alguma naquele vilarejo entendia a dor insuportável de nosso pobre Juan. Infelizmente, apenas dois seres nesse mundo conhecem sua história, e um deles, por motivo que relatarei em tempo, não pode mais cantar. O outro, para regozijo do senhor, leitor, sou eu.


Tomei conhecimento da existência de Juan assim que me tornei gente. Desde pequeno era notado por sua beleza anormal, sabia declarar as mais belas frases nos mais oportunos momentos, proeza que lhe concebeu inúmeras amantes. Seu coração, porém, cumpria nada mais que sua função biológica. Dizia não saber provar o doce vício que chamamos de amor.
Tal repulsa ao afeto nunca me pareceu estranha, afinal, não poderia esperar nada mais de um jovem órfão senão a obscuridade rancorosa e melancólica de seu coração partido.
Pobre desgraçado, perdeu seus pais antes que a memória lhe permitisse gravar seus rostos. Vivenciou o assassinato impiedoso da mãe, cometido por seu própio pai. Dizia-se contente por perdê-la tão jovem, assim não guardou em sua mente tal cena. Seu pai desaparecera, deixando-o à mercê desse mundo cruel.
Vivera por um tempo nas ruas pútridas de Paris, até ser acolhido por uma generosa mas miserável padeira. Sophie era seu nome. Nunca consegui descobrir ao certo se fora ela sua primeira desilusão, primeira de tantas outras...


A vida com Sophie foi seu primeiro passo em direção à solidão, impenetrável e gélida, mas mascarada por um rosto prazenteiro. Era essa uma característica extremamente marcante em nosso caro Juan: a dissimulação.
Podemos definir dois Juan Dios, um que sacrificaria a própia carne por aquele que seu coração julgasse importante; e outro que enganaria virgens inocentes, sentindo o gosto sórdido de ver a solidão corromper suas singelas almas.

Tivera que mudar diversas vezes, nunca permanecera tempo suficiente para formar vínculos, ou quaisquer relacionamentos que lembrassem uma amizade. Aos 17 anos, quando fora obrigado a deixar a casa que tanto amava, aquela de Sophie, engrenou numa aventura solitária, que o levou a diversos suicídios mal-sucedidos e mortes mal-resolvidas.

Abandonou seu lar quando beijou a desilusão. Após 12 anos passados com a padeira, uma única palavra bastou para acabar com a perfeição de sua vida. "Mate-a". A voz que pronunciara a condenação nunca deixou de ecoar na mente de Juan. "Mate-a", disse o capataz. "Matem-na!" gritou o povo torpe.


A injustiça daquela noite mórbida perseguiu os sonhos de Juan, nunca compreendera a razão pela qual tiraram a vida de sua única amada. Fora de uma noite estrelada para uma manhã nublada que seu mundo mudou.
Sua vida era boa, gozava da felicidade extrema que provava a cada dia que passava. Tudo havia tocado a harmonia ideal.
Conquistara Sophie. Ele era novo, verdade, apenas um jovem tolo, diziam as velhas da cidade. Mas quem há de julgar o amor mais puro e sincero entre amantes? Quem há de dizer a idade do amor? Ama-se quando criança, ama-se quando jovem, ama-se quando senil, ama-se pela eternidade!
Por que ordem se deve proibir tal amor? Um jovem nunca é novo demais para amar, aliás, é o único que sabe fazê-lo.

Nenhum comentário:

Descubra-me.

Minha foto
Sou fruto da nudez de meus instintos e da pureza de minhas paixões