sábado, 3 de janeiro de 2009

Ameaças lancinantes. CAPÍTULO 1

O ano era 1351.

Quando acordou já era dia, embora as nuvens ocultassem o sol de inverno. Juan virou-se, de forma que pudesse admirar o rosto de sua amante. Como ela era bela! Seus cabelos negros cobriam-lhe a boca carnuda e vermelha, suas pálpebras ocultavam seus olhos verdes, tudo naquele rosto parecia ter sido magistralmente posicionado. Suas rugas desapareciam frente à calma de seus sonhos.

Juan tocou-lhe o rosto. Era liso como a mais pura seda. Beijou-lhe a face antes de sair da cama. Caminhou por seu humilde casebre, procurando em vão por um velho pão para comer. Passava por tempos difíceis, mas em tempos como aquele, tinha sorte de estar vivo.

Sem ter com o que enganar o estômago, desatou a escrever. Gostava daquilo, queria viver de sua pena somente, mas bem sabia que não existia espaço no mercado para um poeta miserável. Se contentava em declarar seus versos nas praças, ao menos ganhava uns poucos e podres tomates.

"Meus sonhos movem meus dedos
Quem há de impedir meus medos
Quem há de julgar meus versos pobres
Quando meus olhos os vêem nobres?"

Era sua desculpa a inspiração. Sonhava grande o pobre menino, acreditava no poder de suas palavras, cria que ainda havia de ser afamado pelo rei.
Escrevia sem cessar quando ouviu os passos de sua amante.
"O que faz? Onde está o pão?" indagou Sophie.
"Não pude controlar, minha amada, minhas mãos foram mais ligeiras que minha mente! Lá estava eu, à procura dum pão, quando senti meu coração vibrar. São os versos, Sophie. Quem se importa com a comida quando ainda temos as palavras?"
"Não me alimento de letras, pequeno." Ela beijou o rosto malogrado de Juan, e saiu às ruas.

Maldito momento em que Juan não pode segurá-la. Tentou tocar seus braços mas já era tarde, ela se fora. Mal sabia nosso caro Juan que seria para nunca mais voltar.

Juan esperou. O tempo passava incerto, o ponteiro custava a se mover, nosso herói teimava em escrever. Depois do que pareceram segundos, uma batida forte na porta o tirou de seu devaneio. Haviam guardas plantados em sua porta.
Sem hesitar, ele abriu o que se assemelhava a um pedaço de madeira pútrida, usada como porta.
"Juan Dios?" A voz do guarda lembrava um rato com cólicas.
"Depende. Se o senhor estiver se referindo ao safado que roubou o pão de padeiro, lamento lhe informar que bateu na porta errada." Um sorriso cobriu seu rosto. Nunca soubera mentir.
"Criança tola, deveria ser preso por tua jactância!" Exaltado, o guarda parou para recuperar o fôlego. "Mas, felizmente, tenho punição melhor."
Houve um breve momento de silêncio, antes de Juan decidir que o homem estava apenas o assustando com falsas ameaças.
"Tua presença já basta como punição, assim como teu hálito putrefacto. Agora saia de minha casa, homem torpe, pois tuas blafémias não me afetam. Palavra alguma é capaz de me acusar, sou um jovem cândido, nunca desacatei o Rei."
O guarda desatou a rir. Suas gargalhadas penetraram na mente de Juan.
"Só lhe digo uma coisa, pequeno verme, podes não temer minhas palavras, mas deves acreditar no que teus olhos imundos vêem. Com uma ordem do Rei perderás a vida de tua amada. Uma ordem, e a justiça será finalmente feita!"
"O que queres dizer, não entendo. Desculpe-me, mas não falo a língua dos porcos. Saia de minha casa! Guarde tua língua venenosa para outros tolos." A voz do menino perdera o tom de escárnio.
Juan tentou empurrá-lo, mas o homem tinha três vezes sua altura e largura. Persistente, ele o pôs para fora, mas não fora o suficiente para fazê-lo calar. Já na rua, o guarda gritava com ódio venenoso.
"Ouça bem, jovem miserável, Deus castiga a mulher que abraça o pecado. Aquela anciã terá o castigo que merece! Provaste do veneno funesto da velha, não é mesmo? Tocaste seu corpo culposo? Foste enganado pela serpente, meu caro! Terás teu castigo nas chamas do INFERNO!"
"Saia! SAIA!" Seu rosto denunciava desgosto, não aguentava mais mentiras.

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